Desisti da modernidade. Na verdade, desisti de prosseguir com a informatização da minha vida. Teve um tempo, na minha trajetória pessoal, em que mergulhei de corpo e alma no mundo digital. Ou seria no universo informático? Até a escolha dos termos é difícil nessas horas. Que palavras devo usar? Informatização, digitalização, aceitação tecnológica, imersão sistêmica…
Sei lá! Achei que deveria me tornar um sujeito conectivo, eletrônico, computacional, antenado com as tendências contemporâneas. Estava disposto a abandonar lápis, canetas, papéis, grampeador etc., para me dedicar ao que a turma chamava de modernidade cibernética, a liberação dos limites entre humanos e máquinas. Você entendeu? Prefere uma explicação ao vivo ou uma busca na internet?
Comprei uns tantos livros sobre o assunto. Queria ler algo sobre os caminhos que poderiam me levar ao paraíso da civilização etérea e do progresso infinito. Percebi a tempo o tamanho da contradição, da bobagem que eu fiz. Desisti dos livros físicos e comprei e-books, baixei trocentos textos garimpados no meio virtual e aumentei meu pacote de dados da operadora. A tentação de imprimir os textos que julguei mais relevantes foi grande, mas mudei de ideia ao perceber a incoerência do gesto.
Aprendi novos termos, baixei mil aplicativos, me rendi à força inexorável da nova realidade que queriam me impor, me dediquei com afinco ao universo das telas brilhantes, um caminho sem volta. Para qualquer problema, milhares de soluções. Ritmo intenso, sem tempo para reflexão. Pra que pensar? As redes sociais trazem o assunto pronto ou encomendam às máquinas que pensem por nós. Você tem um problema médico, uma questão jurídica, precisa de um esclarecimento nutricional, uma receita de bolo, entrou numa pendenga literária, deslocamento, segurança pública, dúvidas sobre sexo, namoro, diversão? Pode optar por texto, vídeo, áudio, respostas prontas ou em construção, tudo ao mesmo tempo. Inacreditável, era o fim das minhas angústias existenciais. “Prefere falar com gente ou máquina?”, era a opção dada. Falar com máquina? Opa!
No começo, foi divertido. Um mundo novo se abria. Estávamos dando passos largos rumo ao futuro. Em algum lugar do planeta, um novo Galileu ou um novo Newton tinham surgido, talvez estivessem num cybercafé, ou perdidos nas nuvens, no écran dos aparelhos celulares, nas memórias dos computadores, voando por aí num drone invisível. Não devia ser uma professora ou um professor enfiado em centenas de provas para corrigir, nem um quitandeiro preocupado que uma maçã lhe caísse na cabeça. Era um gênio da lâmpada disposto a nos converter, a entregar nossa alma ao diabo, a nos prender em aparelhos móveis que sugam a saúde e o tempo do freguês.
O que no começo foi bom, com o passar do tempo ficou complicado, aflitivo. Minha vida? Eu não a controlava mais. Zero pensamento crítico e nenhuma autonomia. Desisti, resolvi passar por uma desintoxicação tecnológica. Dureza está sendo a abstinência. Posso dar uma olhadinha no seu celular?