Sou vendedor de livros, por profissão, por isso viajo bastante, visito as praças, como se dizia antigamente...
Sou vendedor de livros, por profissão, por isso viajo bastante, visito as praças, como se dizia antigamente. Não falo de praças feitas para descansar, para conversar com os amigos, dos logradouros públicos que deveriam ter árvores, flores, jardins, crianças brincando, madames com seus cachorrinhos e bancos, nos quais as pessoas poderiam se sentar para ler, afinal, eu tenho de puxar a brasa para minha sardinha, não é? Bem, voltando ao meu ofício, eu me refiro às praças comerciais, aos lugares aonde eu vou para vender a mercadoria, isto é, os livros.
Outro dia, eu estava numa cidadezinha de Minas Gerais, e deparei com uma situação muito curiosa. As pessoas usavam uma placa pendurada no pescoço com o próprio nome, alguma indicação de identidade ou uma característica qualquer. Observei que tinha o João, o José, a Maria, mas tinha também o comunista, a fascista, o conservador, a liberal, o gay e a sapatão. Eu fiquei espantado, todo mundo tinha sua plaquinha identificadora!
Como eu não tinha, comecei a me sentir um estranho, percebi que as pessoas me olhavam torto, achei que eu estava corrompendo a ordem, bagunçando o coreto. Quando entrei num boteco para pedir uma informação, o balconista recusou-se a me atender enquanto eu estivesse sem identidade. Hein, como assim? Ele explicou que naquela cidade todos eram identificados, como uma rês marcada a ferro quente. Assim que ele falou isso, eu quase pulei pra trás, já pensando em sair correndo. Como eu tinha interesses a resolver, perguntei onde eu podia arranjar uma plaquinha. Era na banca de revistas, à qual me dirigi apressado.
Fui bem atendido pela mocinha, a Gata Borralheira. Era o que estava escrito na plaquinha dela. Quis saber preço e como funcionava essa história das placas. Ela me disse que tinha uma gaveta cheia. Eu tanto podia escolher uma com meu nome ou outra coisa que eu quisesse, pagando mais caro, quanto podia arriscar a sorte. Poderia comprar uma de doutor ou de empresário, o que garantiria imediata aceitação da comunidade local, como também podia dar azar e pegar uma de ladrão, prostituta, Capitão Gancho ou sei lá quantas opções estúpidas existissem naquela gaveta. E se a pessoa, ao longo da vida, desejasse mudar? Ela explicou que era muito difícil conseguir, que a sociedade era muito conservadora a esse respeito e, uma vez fixado um nome ou uma identidade, era improvável que acontecesse uma mudança de status. E se eu fosse uma metamorfose ambulante, como na canção do Raul? Sem chance!
Comprei logo uma de vendedor, para encurtar o assunto, e fui cuidar dos meus negócios. No fim do dia, após não ter vendido quase nada, fui embora e joguei a tal plaquinha no lixo. Que sociedade estranha era aquela que insistia em rotular as pessoas? Ainda bem que esse hábito só existia ali. Imaginem se a moda pega!