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Encalacrado

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 16/08/2021 às 20:01Atualizado em 18/12/2022 às 15:41
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Estou encalacrado, não sei o que fazer! Tudo tem limites, embora algumas fronteiras sejam ultrapassadas sem que a gente perceba. Antes que me entendam mal, preciso confessar: não se trata da caótica realidade nacional nem dessa horrível pandemia e suas nefastas consequências. Refiro-me a certos aspectos da modernidade — se é que estou correto quanto à interpretação dos fatos. Talvez existam afinidades entre o saudosismo e a incapacidade em lidar com as coisas da modernidade.

A modernidade mudou nossas vidas; concordam? Para recordar: desde criança, uma das coisas que sempre me deram enorme satisfação é viajar, conhecer diferentes lugares. Antes, tinha sempre comigo vários mapas rodoviários, costume herdado do meu pai. Ele costumava me presentear com os mais recentes e eu guardava, sonhando com os lugares aonde iria. Parece contraditório, mas abandonei os mapas, em nome do progresso. Hoje, me viro bem com o GPS; quanto aos mapas, estão guardados em alguma gaveta.

Recordo-me dos antigos telefones como objetos fantásticos. Nos anos 1960, meu grande sonho consistia em imaginar uma época longínqua em que conversaríamos vendo o interlocutor. Eis que esse dia chegou e muita gente não viu que o futuro ficou no passado. Na real, quem liga pra telefone, o telefone fixo? Só os burocratas, que se divertem em nos irritar exigindo o número do fixo, que não usamos mais. Que anacronismo absurdo! Celular virou sinônimo de telefone, serve pra tanta coisa e não se fala mais nisso. Ou fala?

Ferro de passar roupa, canal aberto de televisão, mingau de fubá, piano na sala de visita, entre tantas coisas antigas, foram transfigurados ou sumiram no “departamento dos guardados inúteis”, a não ser quando alguém quer provar que você envelheceu. Aprendi com meu avô a não jogar nada fora, mas já entreguei muita coisa para o pessoal da reciclagem que passa na porta de casa.

Difícil tem sido me acostumar com os tais “aplicativos”. Não vou desistir, mas alguns não fazem o menor sentido para mim. Um dia desses, encontrei-me numa encruzilhada arriscada. É que me ofereceram um aplicativo de pechincha, um facilitador de negociações, algo parecido com um mecanismo feito para regatear. Fiquei indignado! Tal coisa ia contra minha formação cultural: perder a oportunidade de chorar um desconto? Jamais! Como deixar por conta de uma máquina um costume tão arraigado?

Pensei no meu avô e nos malabarismos que ele fazia quando vendia ou comprava alguma coisa. Ele fazia contas de cabeça com uma destreza de dar inveja, tinha a capacidade de permanecer horas e horas discutindo o preço de uma mercadoria qualquer. Às vezes, um pequeno desconto já o deixava feliz. Certa ocasião, perguntei a ele se aquilo não era perda de tempo. Que nada, ele gostava. Aplicativo para pechinchar? Ora, para tudo há um limite; o meu talvez seja esse. Em todo caso, fui logo perguntand quanto custa? Dá pra fazer um desconto?

Renato Muniz B. Carvalho

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