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Encher o tanque

Renato Muniz
Publicado em 15/07/2025 às 07:42
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Eu era menino e adorava acompanhar meu pai quando ele ia abastecer o carro no posto de combustíveis. Ele chegava, parava o carro perto da bomba de gasolina e dizia ao frentista: “enche o tanque”. Para começar, o nome da geringonça de onde saía a gasolina: bomba. Não sei se dava medo ou se remetia a algo fascinante. E o frentista? Nome peculiar, pano no ombro, sábio conhecedor de mecânica, de óleos e outros solenes líquidos viscosos. Solícito, ele nos recebia como se estivéssemos entrando numa grande loja ou chegando a um hotel de luxo.

“Vamos conferir o nível do óleo, patrão?”, dizia, já se encaminhando para o capô, que meu pai abria a partir de uma alavanca localizada em algum lugar escondido próximo da porta do motorista. O frentista puxava uma haste, apoiava nela o capô e dava início à operação. O objetivo era avaliar a qualidade do óleo, seu desgaste e a quantidade necessária ao bom funcionamento do motor por uns tantos quilômetros à frente. Em seguida, retirava de um ponto estratégico, que parecia que só ele sabia onde ficava, uma vareta de metal suja de óleo. Mostrava a tal régua ao meu pai e os dois ficavam ali, debatendo se ainda aguentava um tempo ou se estava na hora de trocar.

Fechado o capô, vinha a operação destinada a aferir os pneus. “Quantas libras?”, o frentista perguntava, retirando uma mangueira de outra máquina curiosa, que produzia vento, vento forte, capaz de secar água ou empurrar objetos. E as tais libras? Isso era uma medida ou um produto? Medir o ar que entrava nos pneus era divertido e instrutivo.

Ficávamos no posto por uns trinta minutos, isso se não encontrássemos um parente ou amigo por lá. Depois, passávamos na mercearia do Sr. Valdemar ou na lojinha de frutas e verduras da Dona Naoko, viúva que herdou o comércio do marido. Meu pai sempre comprava, além do que tinha sido encomendado por minha mãe, duas mexericas, uma para mim e outra para ele.

Hoje, e cada vez mais, existem pessoas que optam por não ter automóveis. Sábia decisão. Abastecer o carro virou algo burocrático, rápido, felizmente perdeu o caráter romântico, imitação de costumes estadunidenses, uns verdadeiros adoradores de carros. Quanto ao petróleo, sempre foi produto de disputas geopolíticas, fonte de infortúnios e guerras.

Um tempo vai ficando para trás. A questão hoje é saber onde carregar o carro elétrico, decidir onde instalar carregadores em condomínios residenciais, implantar ciclovias e discutir mobilidade urbana. Quem imaginaria que, um dia, seria possível carregar um carro na tomada elétrica, no silêncio das garagens subterrâneas? Que a disputa econômica se deslocaria do eixo EUA-Europa para a China, que já domina o mercado mundial de carros elétricos, entre outros setores? Que veríamos a paisagem se encher de painéis solares fotovoltaicos e a antiga ordem mundial se desagregar por caminhos insondáveis?

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