Os entulhos preocupam. Entulhos de todo tipo: entulhos autoritários, lixo eletrônico, entulhos da construção civil e outros que me fogem à memória. Entulho é lixo, é resto, é sobra, enfim, resíduos que ninguém mais quer. O entulho autoritário da ditadura fez história e deu cria, o regime democrático que se instalou a partir de 1985 não conseguiu se livrar plenamente dele. Bem verdade que algumas pessoas gostam de juntar, de amontoar coisas velhas, de atulhar objetos e outras coisas. Papel, por exemplo.
Nas ruas da cidade, o entulho se multiplica. Aparece um montinho, depois passa alguém e despeja mais um tanto, outro tanto, e vira um monte, um transtorno, abrigo de insetos e de ratos. Ninguém é o pai do monturo, da montureira que cresce sem eira nem beira: o poder público se omite, os vizinhos torcem o nariz, o pedestre reclama, mas segue adiante, até a chuva carregar para as áreas mais baixas, para os córregos.
Nesses tempos tão tecnológicos, fico pensando é no entulho da internet. No começo, achei que a informática daria fim às coisas velhas, faríamos o descarte sempre adiado. A internet significava a modernidade, a vida eterna, não era?
Uns amigos vinham me visitar, olhavam para minhas estantes abarrotadas de livros, revistas e caixas de papel, panfletos, folhetos, etc., e me lançavam um suspiro de compaixão. Alguns aconselhavam: “joga isso fora, a partir de hoje vai estar tudo na internet”. Não. A internet também se entupiu de refugos, de sobras inúteis. Minha avó chamaria de lavagem, detritos, imundícies.
Trinta anos se passaram desde que se popularizou a internet e – foi inevitável – alguns destroços de fato diminuíram, embora causando desconfianças generalizadas. Muita coisa foi para dentro da internet. Onde? Nas nuvens? Será que dá para confiar na existência de acervos perenes nos mausoléus profundos da rede mundial? As promessas de imortalidade digital se concretizarão?
Sabe aquelas trocentas fotografias que a gente tirou com a câmara do celular? Onde estão? E os textos que nós copiamos dos jornais e revistas eletrônicas e guardamos em pastas que ficaram no HD externo que foi corrompido? E as imagens e vídeos que arquivamos no pen drive que se perdeu na mudança da casa velha para o apartamento novo? Às vezes, mudar é uma boa oportunidade para nos livrarmos de tantos sedimentos geológicos acumulados faz séculos nos armários da memória, mas muita coisa fica pelo caminho. Quem liga? Algum se recorda dos arquivos empoeirados que as traças não comeram?
Lembram-se daquela velha ideia de guardar no quartinho vago os trastes mofados? Lembram-se da decisão de manter no fundo do quintal o depósito de objetos inúteis? Vamos jogar tudo fora? É como perder a bola do jogo de futebol no campinho da várzea: alguém deu um chute forte e ela sumiu. Mas está por aí. Onde? Ninguém sabe.
Renato Muniz