Quando eu era criança, nos fins de semana nós íamos à fazenda do meu avô. Ele tinha uma Kombi velha, desajeitada, mas valente como meu pai, capaz de aguentar o tranco nas péssimas estradas de terra daquela época. Saíamos com ela carregada e o desengonçado veículo voltava mais cheio ainda. Meus avós faziam questão de trazer para a cidade muitas frutas, mandioca, milho, verduras, ovos e outros produtos da época. Pequi, por exemplo, fazia a festa de todos nós, da família, dos amigos e dos vizinhos.
No caminho, existia uma árvore enorme, um pequizeiro. Era parada obrigatória em certos períodos do ano, para apanharmos os pequis. Visto sob o ponto de vista da minha meninice, a árvore era gigante, antiga, quase pré-histórica. Debaixo de sua acolhedora sombra, eu conjecturava que ela talvez tivesse presenciado todos os acontecimentos históricos que meu pai contava e que não existiam mais: as demoradas e sonoras viagens de carro-de-boi, a lavoura de café que dominava os morros e cuja produção era enviada para o Estado de São Paulo, a colheita manual das lavouras de arroz, de feijão e de milho, o monjolo que batia dia e noite, as onças que rondavam por ali provocando medo nas pessoas, as sucessivas secas, as temidas cheias e as terríveis queimadas que eliminavam a vegetação, ninhos de pássaros e todos os bichos que não conseguiam fugir, dentre outros episódios, situações, referências, informações, tanto para entender...
Eu imaginava tudo o que teria acontecido sob o “olhar” atento do pequizeiro. Que fatos ocorreram sob sua copa imponente? Enquanto os adultos apanhavam os frutos cheirosos, eu sonhava poder conversar com aquela árvore ancestral; ah, se ela pudesse me contar sua história, um pouquinho do que viu... Eu teria o mundo nas mãos!
Um dia, uns 50 anos depois, ao voltar da fazenda num domingo quente e seco, vimos que a árvore não estava mais onde sempre estivera. Tinha desaparecido como num passe de mágica! Sequer tivemos tempo de questionar o sumiço. Os deslocamentos eram mais ágeis, os carros aguentavam melhor o barro, a poeira, nós nem reparávamos mais na paisagem, agora tão monótona: extensos canaviais dominavam o horizonte. Foi rápido demais! Uma a uma, as propriedades rurais se transformaram em lavouras monótonas sem fim. Um a um, os velhos currais e as imponentes casas sede dos antepassados foram desmanchados, tábua por tábua, tijolo por tijolo, porém num ritmo ligeiro, quase que instantâneo. Peões, meeiros, famílias antigas, cercas, animais domésticos e caminhos conhecidos deram lugar a máquinas modernas, a traçados retos, a glebas numeradas. Ninguém teve tempo de ter saudades. O que nos reserva o futuro? O que virá é uma incógnita, mas aquela identidade, que se formou em pelo menos duzentos anos, se despedaçou. Teremos como reconstruir? Em que bases?