Foi sem querer, mas eu pisei num formigueiro. Tirei o pé de imediato, temendo uma retaliação, uma revolta, uma revolução. Eram formigas miudinhas, embora houvesse diferentes espécies no local. Meu medo era que as picadas pudessem desencadear uma reação alérgica, pontos vermelhos na pele, irritação, febre. Sem exageros.
Sob o ponto de vista das formigas, eu causei um estrago, eu era o agressor. Não percebi o montinho de areia no caminho e chutei a casa delas, um desrespeito total com sua existência. Não fiz de propósito, mas acertei o bico da botina num ponto nevrálgico daquela comunidade. Foi distração, desatenção, mas não desprezo. O estrago estava feito. Nada irremediável, acredito. Em menos de uma hora, no máximo, elas reconstruiriam tudo. Não adiantava pedir desculpas ou oferecer ajuda na reconstrução. Além disso, eu era um completo ignorante na linguagem delas e nas suas técnicas construtivas. Imagino que se comuniquem por cheiros, e meu olfato é péssimo, sem contar que sou alérgico a perfumes e a alguns odores.
Consternado pelo dano acarretado, fiquei por ali um tempo, pensando numa possível mitigação. Admiti que deveria olhar melhor por onde piso. As formigas ficaram desorientadas. Várias saíram do ninho ao mesmo tempo, caminhando em todas as direções. Um alarme deve ter soado no interior de suas habitações e até as que estavam trabalhando ou passeando em lugares mais distantes voltaram correndo. Formigas saem para passear? Creio que não. Algumas vinham carregadas com pontinhos brancos sobre a cabeça, foi o que pareceu. Talvez fosse pólen, pedaços de frutas silvestres, folhas, flores. Provavelmente era o alimento do fungo que as sustenta no interior da terra, no subsolo.
Era incompreensível sua estratégia de correr de um lado para outro, indo e vindo, perdidas, sem saber como se proteger da agressão. Como nós, humanos tidos por inteligentes, nos comportaríamos se alguém, infinitas vezes maior que nós, resolvesse pisar sobre nossas casas, destruir nossas fontes de alimentação, arrasar nossos campos? Ora, uma guerra não é muito diferente disso. Nunca passei por uma tragédia semelhante, mas a violência é a mesma. Imagine um bombardeio sobre nossas cabeças, bombas caindo, foguetes vindos sabe-se lá de onde. A gente sabe que o resultado é destruição e morte.
Imagine que do nada aparece um botinudo e dispara mísseis, chutes e pisadas por aí. Ninguém ficaria seguro, tranquilo. Tomei as dores das formigas, dor que eu mesmo causei, embora fosse recomendado que saísse logo dali. Que me servisse de lição e reflexão.
Quem sou eu para atribuir às formigas sentimentos tão ou exclusivamente humanos? O que elas sentem e como vivem seus dramas é questão a ser estudada, lembrando que dividimos o mesmo planeta e, talvez, algumas dores. O melhor a fazer é não agir com arrogância ou autoritarismo em relação às demais espécies, e admitir logo que não temos respostas para tudo.