O aviso foi bem claro: não era preciso vir de uniforme, mas era necessário usar calça comprida. E assim eles foram para a escola, bem-vestidos, segundo a orientação recebida, quase uma ordem, e segundo a vontade de cada um ou, talvez, a dos pais.
O Carlos e mais uns quinze preferiram usar camisa com gola. Os demais foram de camiseta. Quanto às calças, cada uma de um estilo, várias cores e modelos. O que mais se destacava era o comprimento delas, a maioria bem curta; na época, eram conhecidas como “calça pula brejo”. Imaginem pular um brejo barrento sem se sujar. Conseguem? O jeito era levantar a calça para não molhar a barra. Truques de antigamente.
Naquele dia, provavelmente uma manhã clara de primavera, iriam tirar a fotografia da turma para guardar de lembrança. Um registro da sexta série, documento histórico, mesmo que, no futuro, ninguém mais se lembrasse dos outros e não se encontrassem nunca mais. Com muitos dos ali presentes, foi isso o que aconteceu.
Não faltou ninguém. Todos reunidos, quietos, as mãos colocadas para trás – exigência do fotógrafo, o Sr. Roberval. Sem contar a posição idêntica de todos e as roupas diferentes, o que mais chama a atenção é o rosto dos fotografados, o olhar. Todos olham para a câmara, menos dois. O Josino, na última fila, olha para o lado esquerdo de quem vê a foto. O Daniel, o primeiro da fila de baixo, olha para o lado direito. A professora está de óculos escuros e não se sabe para onde olha. Ela era bem-comportada, devia estar olhando para a câmara. Por que, justamente naquele dia, ela estava de óculos escuros? Tinha chorado? Estava com os olhos inchados? Como morava com os pais, teria brigado com eles? Com o namorado? Ou estava simplesmente melancólica?
Não é a direção do olhar que interessa, mas o significado dos olhares. Se observarmos o Quirino, na fileira de cima, ele está com o rosto abaixado, um olhar tristonho, desconfiado, como o do José Batista, o do Fernando e de vários outros. Eram os anos 1960.
Quantas fotografias como essa o Sr. Roberval fez na vida? Milhares! Onde estão? Quem guardou a sua? Será que a escola guardou ao menos uma de cada turma? Desconfio que não. Por quê? A escola ainda existe, mas passou por tantas reformas, teve tantas pessoas na direção que só por descuido alguém resolveu guardar as fotografias antigas. Quanto será que as famílias pagaram pela foto? Guardaram numa gaveta? Jogaram fora? Quantas sobraram, se é que sobrou alguma além da que tenho nas mãos? Perderam-se no emaranhado da vida? Foram jogadas no lixo quando os filhos cresceram ou alguém da família se mudou, morreu, casou? Amanhã, que recordações sobreviverão diante do desinteresse atual em relação ao passado e da banalidade das zilhões de fotos tiradas com o celular?