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Higiene

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 27/09/2021 às 19:59Atualizado em 18/12/2022 às 16:11
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Qual era a noção de higiene nos anos 1960? Era muito diferente de hoje? O que diria a minha tia? Ah, se ela fosse viva, com certeza, teria muito para nos contar. Para começar, ela tinha mania de limpeza. Nasceu no início do século XX, morou no meio rural durante anos, nunca estudou numa escola regular e esteve submetida aos preceitos conservadores da sociedade patriarcal ao longo de toda sua vida.

Ela conviveu com a terrível gripe espanhola, de 1918, além de ter conhecido doenças comuns de sua época: febre amarela, doença de Chagas, varíola, sarampo, entre outras, sem falar das inúmeras inseguranças sanitárias típicas do século XX. Será que sua mania de limpeza surgiu como resposta a essas questões?

Além das doenças, ela viveu crises políticas, sobreviveu a duas grandes guerras, passou por governos autoritários, pelos períodos ditatoriais, sofreu com a “eterna” dependência do país frente aos capitais internacionais e outras mazelas típicas das sociedades latino-americanas. Pensando bem, ela foi uma sobrevivente de muita sorte. A sorte foi nossa também, pois, ao longo do tempo, ela se especializou em fazer deliciosos quitutes: bolos, pãezinhos, roscas, biscoitos e outras comidas que adorávamos. Ela ajudou minha mãe a cuidar de nós — meus irmãos e eu.

Se hoje estamos preocupados — e com razão — com a pandemia, no passado a sociedade brasileira conheceu várias doenças e não tinha o arcabouço médico-científico existente na atualidade. Até a metade da década de 1980, não existia o SUS, não existiam UBSs, nem programas como “Saúde da Família”. Hoje, as informações, as vacinas e as equipes de saúde chegam a praticamente todo o território nacional e o SUS se destaca como um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo. Esquisito é ver o desconhecimento de muitos acerca do assunto e a obstinada tarefa — aliás, desprezível — dos que desejam desmanchar uma estrutura que é tão importante para o povo brasileiro. Certamente, minha tia faria severas críticas aos detratores da saúde pública, seu olhar seria de reprovação, daria neles um beliscão dolorido!

Graças ao esforço de cientistas, de profissionais dedicados à saúde pública e de parcelas da população, doenças como tracoma, meningite, difteria, escarlatina, febre tifoide, tuberculose e poliomielite foram controladas. O agravamento dessas doenças sempre esteve relacionado à falta de água tratada, de redes de esgoto, de coleta seletiva, às péssimas condições das moradias em grande parte do Brasil.

Minha mãe e minha tia não ficaram apavoradas quando tivemos sarampo, no início dos anos 1960. Parecia algo corriqueiro, mas o melhor foi contar com o carinho das duas e com os biscoitos que minha tia fazia para melhorar nosso ânimo. Na atual pandemia, muitas vítimas não tiveram a mesma sorte, além da péssima falta de atenção à saúde do povo e do descaso frequente com o saneamento básico. O cheiro ruim do retrocesso se espalha.

Renato Muniz B. Carvalho

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