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Jogaram um bomba

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 06/11/2023 às 18:37Atualizado em 06/11/2023 às 20:38
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Abro a janela e vejo a cidade onde moro. Aqui nasci, cresci, comecei a frequentar a escola, aprendi a andar de bicicleta, dancei juntinho pela primeira vez, sentei num banco de praça para namorar, fui ao cinema nas matinês de domingo, comprei meus primeiros livros. Fui embora para estudar e voltei casado e com filhos. Está anoitecendo, o céu se tinge de vermelho nos fins de tarde. Uns dizem que é poeira, outros poesia. Procuro os lugares por onde andei, tento identificar locais que frequentei.

O sentimento é de nostalgia e começo a fazer perguntas a mim mesmo, ao léu, pensamentos soltos. E se a cidade estivesse sendo bombardeada por uma potência estrangeira? Como seria enfrentar bombas caindo e destruindo os prédios, matando as pessoas, contaminando o ar e a água? Teríamos como nos esconder? Como nos defender? Não tenho escudos antibombas, não tenho sequer um estilingue.

Teria uma mochila pronta para o caso de ter de abandonar minha casa a qualquer instante. Que objetos eu levaria num caso extremo de saída rápida, como a gente assiste nas guerras? Meus documentos, carteira de vacinação, cartelinha de remédio para dor de cabeça. Minha escova de dentes, é claro. Daria tempo? E se a bomba caísse sobre nossas cabeças?

E meus parentes e amigos? Estariam preparados? Suas casas seriam atingidas? Conseguiriam escapar com vida? Eu poderia ligar pra eles, mas me parece que não teríamos sinal de celular, as torres já teriam sido derrubadas. Sobrariam os sinais de fumaça, mas a fumaça, de todas as cores, estaria por toda parte, principalmente a fumaça cinza com cheiro de destruição e morte.

Não teria sido melhor ir embora antes? Para onde? Existem lugares seguros? Se fosse possível, poderíamos perguntar aos moradores de Hiroshima e Nagasaki no início de agosto de 1945. Acho que eles não estavam preparados para a bomba. Nem os londrinos na Segunda Guerra Mundial, quando sofreram com as bombas nazistas por oito meses ininterruptos. Nem os ucranianos, os palestinos, os israelenses, os africanos e um imenso contingente de refugiados em todo o mundo. Não são conflitos iguais, são vítimas distintas, famílias distintas, lugares diferentes, mas muitos foram os mortos, todos tiveram suas trajetórias interrompidas. Sua dor é incomensurável.

Dá tempo de chorar antes da bomba cair? De se indignar? De gritar, de protestar, de reclamar… Reclamar para quem? Para o bispo, o rabino, o pastor, o imã? Qual sacerdote iria nos proteger? Ou iria sucumbir junto com a cidade, com todos nós?

Qual o sentido disso? Dinheiro, poder, territórios? Dominação colonial, resistência, reação? Alguns afirmam que o conflito é religioso. Não acredito. Pode ser uma boa desculpa, não a causa. A razão, embora esta seja uma palavra descabida nessas horas, deve ser buscada nos grandes centros, nas avenidas largas, nos índices econômicos, nos fatos históricos. Depois que despejarem a bomba, pouco me importaria a resposta.

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