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Madeira de lei

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 11/07/2023 às 18:41
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Este foi um conceito difícil de entender: “madeira de lei”. Como assim? Como conjugar madeira e lei? O que um tinha a ver com o outro? Referia-se às tábuas da lei das histórias bíblicas narradas pela minha avó? Mas essas eram de pedra. Piorou. Tábua para surrar os teimosos, desobedientes e descumpridores da lei? Que confusão. Juro que levei um bocado de dias tentando entender o que meu avô queria dizer com “madeira de lei”.

Entendi que eram madeiras especiais, tinham qualidades excepcionais, como dureza, resistência, beleza, etc., mas meu avô não teve tempo de explicar e de contar mais detalhes sobre as tais madeiras. Morreu antes.

Algum aprendizado ficou. Sobre a aroeira, por exemplo, aprendi que era madeira de cor avermelhada, muito dura, servia para fazer postes de cerca, esteios de curral e era resistente à água. A madeira do ipê era amarelada, também resistente, e usada para fazer tábuas. Minha avó gostava de uma mesa feita com esta madeira. Parecia que tudo o que ela precisava estava em cima da tal mesa.

Não era fácil distinguir as árvores e nomeá-las. No começo, todas pareciam tão iguais que eu me confundia. Com o tempo, aprendi a observar as flores, os frutos, o tronco e as folhas. Algumas tinham folhas largas, outras eram miudinhas. Angico era bom para fazer dormentes, mas não servia para poste de cerca. Bálsamo era espécie mais rara, só me lembro dela presente em alguns móveis, como um grande armário que ficava na sala de jantar. Imbuia também. Os móveis feitos com essa madeira eram chiques, trabalhados, escuros e pesados. Minha avó guardava no armário de imbuia as xícaras de chá do jogo que ela ganhou de casamento. Isso significava uma eternidade para minha pouca idade.

Para encerrar o capítulo dos móveis, preciso dizer que o mais valioso deles era feito de mogno: a escrivaninha do meu avô, onde ficavam as cadernetas em que ele anotava os créditos, os débitos e os saldos, o resultado da safra de arroz, a divisão da colheita de café entre os parceiros e objetos curiosos e enigmáticos. Eu gostava de vê-lo trabalhando ali, fazendo seus apontamentos, batendo nas teclas redondinhas da sua pesada máquina de datilografia.

Aprender sobre árvores, madeiras, suas cores, formatos e utilidades era imprescindível. Citávamos certos nomes com familiaridade – peroba, jacarandá, angelim, jatobá e outras espécies –, como se fossem velhos conhecidos. Os eucaliptos chegaram depois, mas não eram tão valorizados. Como existia a promessa de ser uma árvore de crescimento rápido, meu avô resolveu fazer um viveiro e conseguiu logo umas mudinhas. Não viveu para ver o resultado.

Nessa época, anos 1960, parecia-nos que nunca faltaria madeira, desmatamento não era uma preocupação urgente. Após a morte do meu avô, entendi que nem as pessoas nem as árvores duram para sempre.

Renato Muniz B. Carvalho

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