Hoje deu vontade de escrever sobre meu avô paterno, Arlindo de Carvalho. Faz tempo que ele se foi, mas tenho saudades e boas recordações. Ele nasceu em 1903 e, da geração dele, poucos estão vivos. Escrevo para recordar seu tempo e sua trajetória.
Sua família veio para Uberaba no começo do século XX, por causa de desentendimentos numa questão de disputa por terras. Abandonaram tudo para evitar retaliações à família. Chegaram muito pobres e ele, o único filho homem, foi logo trabalhar. Não teve tempo e nem recursos para estudar, mas gostava muito de ler e de fazer contas. Aprendeu o básico da contabilidade e, de entregador numa farmácia, passou a balconista, a encarregado, a gerente e, finalmente, sócio em inúmeros empreendimentos comerciais e industriais. Os que conviveram com ele diziam que tinha bom tino comercial. Destacava-se por sua gentileza e honestidade nos negócios. Foi o típico self-made-man da primeira metade do século XX.
Quando veio a II Guerra, já era um comerciante estabelecido, fazendeiro, proprietário de imóveis. Participou ativamente de diversas entidades, tendo sido presidente da Associação Comercial (Aciu), em cujo mandato engajou-se pela ampliação da eletrificação na cidade. Num contexto histórico e numa cidade não muito favoráveis à industrialização, enfrentou barreiras, mas nunca aceitou cargos públicos e nem se envolveu com política partidária. Tinha uma visão empreendedora invejável e possuía um vasto círculo de amizades.
Nos anos 1940, levou meu pai para estudar em São Paulo. Lá o matriculou no tradicional Colégio Rio Branco. Depois do colegial, meu pai foi cursar Direito na Faculdade do Largo São Francisco, voltando a Uberaba no final dos anos 1950, para trabalharem juntos.
Quando eu completei 13 anos de idade, ele me chamou para trabalhar com ele. Mais que depressa aceitei. Seu escritório ficava na principal avenida da cidade, estrategicamente entre duas agências bancárias. Eu estudava na parte da manhã e depois do almoço ia até o escritório. No primeiro dia ele me entregou uma vassoura e pediu que eu varresse o chão. Levei um susto, reclamei, argumentei que um neto dele não devia varrer. Ele foi inflexível e me disse: se eu quisesse ser uma boa pessoa devia ser capaz de desempenhar as mais diferentes funções. Depois eu devia atender ao telefone, fazer minhas tarefas escolares e, no fim da tarde, ele me ensinaria a usar suas pesadas máquinas de calcular.
No imaginário de seus contemporâneos, que a ele sobreviveram e com quem eu tive contato, ele era famoso por ser um “pão-duro”, não gostava de esbanjar, não era dado a festas e bajulações. A vida o conduziu ao pragmatismo. Nunca prejudicou ninguém e, segundo ele, a ética devia estar ligada ao crescimento econômico. Quando faleceu, num acidente trágico, esse foi o tom das homenagens que recebeu. Quanto a mim, trabalhei com ele até sua morte, em 1970. O aprendizado daqueles dias serviu para a vida inteira.