ARTICULISTAS

Minhas férias

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 08/03/2022 às 20:20Atualizado em 18/12/2022 às 18:43
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Penso que nenhum estudante do Ensino Fundamental escapou do título acima nas redações obrigatórias de início do ano escolar. Provavelmente, uma boa parte das narrativas se relacionava às férias passadas em fazendas de parentes ou amigos, sobretudo no interior, onde a ligação com o meio rural era significativa.

Os relatos concentravam-se nos passeios a cavalo, nos banhos de cachoeira, na gostosa comida feita no fogão a lenha e nos namoros efêmeros. A memória afetiva conservou e se deixou levar, anos afora, por essas recordações. Paixões, lembranças e descobertas povoaram – e ainda povoam – os textos produzidos. Parece, entretanto, que essa referência temática vai entrando em declínio diante da urbanização acelerada da vida social e das inevitáveis transformações socioeconômicas em curso.

Nas idas à fazenda do meu avô, recordo-me da quantidade de pacotes, sacolas e objetos diversos. Era muita coisa, mesmo que fôssemos ficar apenas um final de semana. Pensando bem, com a devida distância no tempo, dava dó da minha mãe: cabia a ela separar, organizar e guardar roupas, botinas, alimentos, querosene, vela, esparadrapo, etc. O volume da bagagem indicava que passaríamos, no mínimo, um mês na fazenda. Um dia, meu irmão caçula ficou para trás. Quando meus pais se lembraram, estavam quase saindo da cidade e tiveram de voltar, apavorados com o esquecimento.

Já adolescentes, meu irmão e eu ganhamos autonomia para irmos sozinhos à fazenda. Naquele tempo, a eletricidade já tinha dado as caras. Meu avô vinha nos buscar e saíamos bem cedo, com o dia escuro ainda, curtindo o frio da madrugada na carroceria de uma velha caminhonete. Na tralha que levávamos não faltavam pão sovado, baralho, livros, chapéu e uma muda de roupas.

Certa vez, como não nos agradasse a programação das estações de rádio – e indiferentes em relação ao tamanho da bagagem –, resolvemos levar um toca-discos portátil. Queríamos escutar o Milton, o Chico, o Vandré, o Gil, o Caetano, o Bob Dylan, a Joan Baez e outros artistas de nossa preferência. À noite, na varanda, escutávamos música, conversávamos e líamos bastante.

Tenho certeza de que não incomodávamos ninguém, nem bicho, nem gente. O som alcançava poucos metros, não indo além do limite tênue da luz. Penso nisso quando me deparo com recente relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que identifica alguns problemas ambientais atuais.

Segundo o documento, a poluição sonora nas cidades é uma ameaça à saúde pública. Som alto e constante prejudica a saúde, acarretando “irritação crônica e distúrbios do sono, resultando em doenças cardíacas e distúrbios metabólicos graves, como diabetes, deficiência auditiva e saúde mental mais comprometida”.

Tenho boas recordações daquele tempo. Certas canções entraram para a história, sem se perderem os sons suaves daquelas noites guardadas na memória. Hoje, quem não tira férias são os ruídos que nos cercam, insensatos e insanos. Um flagelo!

Renato Muniz B. Carvalho

 

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