Outro dia, convenci-me de que não sou ninguém, se é que fui alguém algum dia. O que aconteceu é que saí de casa sem celular. Um erro terrível. Saí, sim, fui negligente, deixei o aparelho em cima da mesa da sala e fui dar uma volta no quarteirão.
Na verdade, uma simples caminhada virou um martírio. É que, no meio do caminho, resolvi passar na panificadora para comprar dois pãezinhos. Como eu não carrego mais dinheiro em espécie, faz tempo, e sabendo que não estava munido dos meus trocentos cartões, imaginei que pagaria com Pix. Afinal, o que custam dois pãezinhos? Menos do que um café expresso. Fácil. Que ilusão!
Entrei, fiz o pedido, o atendente pesou, colocou na sacola e indicou que eu fosse direto ao caixa. Hoje em dia, essas coisas são tão automáticas que nem me dei conta de que estava sem o celular. Até tive sorte, pois estava a um passo de dar uma mordida num dos cheirosos pãezinhos quando o caixa chamou e me aproximei, enfiando a mão no bolso para pegar o celular. Cadê? Fui roubado? Caiu no chão? Deixei no balcão? Fiquei desorientado. Onde estava meu aparelho? Juro que bateu um desespero, uma angústia, uma sensação de abandono inexplicável. Meu mundo se destroçou num segundo, o tempo de perceber que estava sem munição, isto é, sem celular.
Eu estava sem documento, sem qualquer papel que provasse quem eu era, o que fazia na vida, quem eram meus contatos, meus amigos das redes sociais, meu GPS, meus aplicativos. Abandonado, esquecido, fora do mundo, foi como me senti. Era como se eu tivesse sido apagado da realidade. Onde eu estava? Para onde ia? Como pagar a despesa? Como pedir um carro num aplicativo para voltar para casa? Nada. Eu era um desqualificado, sem grana, sem identidade, um pobre joão-ninguém. O que fazer? Apelar para o policial da esquina? Pedir ajuda ao dono da banca de jornal? Não, não tinha mais banca, ninguém mais lê jornais ou revistas, a não ser na internet. O caixa da panificadora não me conhecia, pois só peço lanches por delivery, a vida virou uma complicação sem sentido.
E se eu caísse ali no chão da calçada? Se despencasse da sarjeta rumo ao asfalto duro e quente da cidade grande? Aonde iriam me levar? Quem iria me socorrer? Não brinquem com isso, não ousem sair de casa sem celular.
No último instante antes de bater o desespero completo, lembrei-me de um conhecido na rua de trás. Ufa! Iria até ele, bateria na porta e então estaria seguro, num terreno devidamente guarnecido de um celular amigo. Com o coração batendo forte, fui até o prédio do meu amigo. Chegando lá, não tinha porteiro, apenas um interfone. E eu não sabia o número do apartamento. Sentei na calçada, como um zé-ninguém, e chorei.