No começo, foi como descobrir a pólvora de novo, foi a salvação da lavoura, o melhor dos mundos, uma vitória sobre o passado. Os problemas surgiram depois e vieram acompanhados de conflitos e de incertezas, sem exagero. Tudo porque nós gostamos de artifícios engenhosos, nos tornamos pessoas fanáticas com invenções úteis e inúteis, com novidades tecnológicas, entusiastas da informática. Teria faltado discernimento de nossa parte, talvez autocrítica, moderação?
O primeiro estímulo veio dos mais novos: filhos, sobrinhos, amigos. Nada complicado, disseram-nos. Qualquer um aprende e logo se acostuma. Parecia que estavam falando de um xarope de gosto ruim. Faz assim, faz assado, mexe aqui, mexe ali e você vai ficar craque. Fácil? Sim, apesar das dificuldades.
E mergulhamos de cabeça nas redes sociais, nos grupos de discussão, aplicativos de mensagens, feeds de notícias, comunidades, grupos de igreja, de compras, de trocas, da escola, da empresa, do condomínio e, finalmente, a cereja do bolo: as discussões políticas via internet. Foi algo incontrolável, apesar das inúmeras tentativas de regulamentação.
Nomes estranhos e siglas diferentes povoaram as redes de informações e as fantasias, os sonhos e pesadelos de muita gente boa. Dúvidas como “Será que eu respondi à mensagem do fulano?”, “Será que eu dei parabéns para a fulana?”, “Será que eu consultei a previsão do tempo?”, “Será fake news?”, e por aí afora, tornaram-se comuns. Tornamo-nos, finalmente, pessoas com infinitas conexões, ligadíssimas em todas as mídias sociais. O que mais falta? Quase nada, apenas mais um aplicativo, mais uma atualização, mais alguns contatos, algumas curtidas, mil visualizações… Um negócio que não para nunca e que dá lucro de bilhões para uma minoria. Quando alguns perceberam, era tarde, quase todos estavam enredados, com o perdão do uso ambíguo da palavra.
Num pulo — no sentido figurado, pois nossa posição mais comum era sentados — enchemos um celular, dois, três… Com os celulares e demais dispositivos lotados de figuras, vídeos, áudios, documentos mil, nós nos tornamos acumuladores de tecnologias ultrapassadas, vencidas, exauridas, guardiões involuntários de sucata eletrônica. A contradição em pessoa, o novo e o velho convivendo no mesmo lugar. Era como se enchêssemos pastas e pastas com rótulos de caixinhas de fósforo, embalagens de sabonetes, bulas de remédio, passagens de metrô usadas, tickets de museus e entradas de cinema. Só que não era papel, mas material eletrônico, virtual, digital, fluido, efêmero, leve, penas de lagartixa, ou seja, inexistente no mundo físico, palpável. Aos poucos, perdemos nosso centro, o eixo, a razão.
Qual é a solução? Vamos mergulhar mais fundo nesse mundo quimérico até perder por completo nossas conexões reais mais significativas? No passado, havia em algumas casas os cômodos de guardados. Não era costume jogar fora um rádio quebrado, um sofá com o assento gasto, um liquidificador velho. Guardávamos — “Quem sabe, um dia…”, pensávamos. Hoje, guardamos memórias de computador. Opa! Tem como voltar para o futuro?
Renato Muniz B. Carvalho