Quando eu desembarquei no ano de 1970, muita coisa já estava pronta no mundo. O rock, por exemplo, já estava a pleno vapor. Beatles (1960), Rolling Stones (1962) e Led Zepelin (1968), já estavam por aí fazendo um som da pesada. Embora eu não tivesse nem 13 anos, pensei seriamente em pedir permissão aos meus pais para ir aos EUA participar do Festival de Woodstock (1969). Imaginando que eles não deixariam, deixei por isso mesmo. Pelo menos, apesar de enfrentar uma terrível resistência, meu cabelo comprido era de dar inveja aos admiradores do John Lennon. Minhas roupas psicodélicas os deixavam pasmos. Numa última tentativa de me inserir de cabeça nos anos 1970, pedi aos meus pais para assistir ao musical “Hair”, em cartaz em São Paulo. E o pedido foi sumariamente negado. Ainda que eles tivessem permitido, os fiscais da censura não teriam me deixado passar nem perto.
A vida, em 1970, não se resumia aos festivais, como disse Geraldo Vandré no Festival de Música Popular Brasileira, de 1968. Os garotos, além de admirarem Pelé, Jairzinho, Rivelino e Tostão, também liam Opinião, Pasquim, Movimento e Bondinho. Admiravam Leila Diniz, Jane Fonda, Jessica Lange... E choraram a morte de Janis Joplin (1943 – 1970) e a de Jimi Hendrix (1942 – 1970).
Não nos preocupavam coisas como a construção da Rodovia Transamazônica, de Itaipu, da Ponte Rio-Niterói, a morte de operários ou os sequestros dos embaixadores do Japão, da Alemanha e da Suíça. Alguém escondia isso tudo de nós, que, em contrapartida, tínhamos de decorar os nomes dos ministros do Médici, e ai de nós se errássemos um nome sequer! A descoberta de que tinha algo estranho nisso veio depois. Em todo caso, o Brasil era “um país que vai pra frente”.
Nos bastidores, escondidos dos olhares ingênuos, dos olhares inúteis, dos olhares cúmplices, nos porões da ditadura, no Destacamento de Operações e de Informações (DOI), nos Centros de Operações de Defesa Interna (Codi), nas sujas delegacias e nas casas de tortura financiadas por empresários “do bem”, estavam os presos políticos, para morrer ou mofar. “Brasil, ame-o ou deixe-o”, e a gente completava: "o último que sair apague a luz".
A censura prévia de livros, periódicos e outras expressões artísticas foi oficializada pelo governo com o Decreto-Lei nº 1.077, de 21 de janeiro de 1970. Funcionava assim: os censores chegavam, instalavam-se e decidiam o que podia, ou não, ser publicado, visto e ouvido. Outra modalidade era enviar a edição antecipadamente, com o que pretendiam publicar, para a Divisão de Censura do Departamento de Polícia Federal, em Brasília. Muito comum era a autocensura, ou seja, cortar o que se imaginava que seria cortado. Estranho, não é? Imaginar o que se passava na cabeça tosca dos censores e antecipar o que os boçais não deixariam passar. E tem gente que ainda tem saudades daquela época. Eu, hein!