ARTICULISTAS

O burro empacado

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 25/10/2021 às 20:20Atualizado em 19/12/2022 às 01:30
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Você já viu um burro empacado? É impressionante! O bicho para no meio do caminho e nada o faz sair do lugar. O animal emperra, interrompe a marcha, estaca e não anda mais. Veja a situaçã as quatro patas cravadas no chão, o corpo rígido feito aço, os olhos perdidos no horizonte nem piscam. Parece mágica, assemelha-se a alguém que tomou uma poção paralisante; ele não se mexe. Dizem que é pura teimosia, ou será personalidade forte? Nunca um burro revelou os motivos de tão curioso costume. Fica aqui a sugestão de pesquisa científica.

Máquinas também param sem motivo aparente, mas encontrar as razões da parada não é tarefa complicada. Elas quebram, os responsáveis se esquecem do óleo lubrificante, falta energia elétrica ou são acometidas por outros males: não pagamento dos funcionários, greves, crises econômicas, etc. Com relação aos burros, ainda não há consenso. Pelo jeito, burros bem-alimentados empacam tanto quanto os famintos, ou seja, não deve ser protesto.

Certos casais em relacionamentos complicados também sofrem empacamentos periódicos. Brigam, acusam-se mutuamente, sentem ciúmes, agridem-se, diminuem o desejo, perdem a libido e a convivência azeda. Não existem relatos confiáveis de que isso ocorra com os burros, há suspeitas e controvérsias. Ainda no terreno familiar, as crianças são acometidas por atitudes similares. Quando não querem comer verduras ou não querem tomar banho, por exemplo. Fazem birra, esperneiam, choram, fazem pirraça. O diferencial das crianças é que o enfezamento passa logo, ignoram os dissabores e voltam a brincar como se nada tivesse acontecido.

Não é fácil desempacar um burro. Na fazenda do meu avô tinha um exemplar desses, mal-humorado ou empacador. Ninguém gostava de montá-lo. Corria-se o risco de ter de voltar a pé. O peão, ao perceber que o animal tinha parado, começava pedindo, educadamente; meia hora depois estava desesperado, arrancando os cabelos, inconsolável. E o burro impassível, imóvel, caturro. Alguns batiam com força na pobre cavalgadura, ameaçavam com chicotes, esporas, água fria e outras artimanhas. O interessante nos burros é que, quanto mais se sentem ameaçados, mais empacam. Muitos desses renitentes asnos eram deslocados para puxar carroças. Já vi peões chorando de raiva por não terem conseguido convencer um burro a seguir em frente. Acreditem: não era raro alguns inconsequentes se deliciarem com a situação.

A atividade política também é repleta de situações bizarras. Quando a gente acha que vai melhorar, empaca ou, pior, retrocede. Apesar de existirem opções para seguir em frente, péssimas escolhas resultam em sofrimento para o povo e em empecilhos ao desenvolvimento do país. Se existem ameaças à democracia, eu me lembro do burro empacado. Não adianta explicar, a teimosice e a desinformação se alastram. Tem até aqueles que acreditam estar diante de um espetáculo, acham bom observar o burro impassível; tal qual o burro, revelam seus piores caprichos, sua obstinação em atravancar o bom senso e o avanço da inteligência.

Renato Muniz B. Carvalho

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