ARTICULISTAS

O cheiro de terra molhada

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 21/11/2023 às 18:12
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Após um tempo afastada de nós, a chuva voltou. Vamos admitir: sua ausência foi sentida, ela fez falta. Durante seu sumiço, foi preciso aguar algumas plantas para que não morressem, tivemos de beber mais água para não ficarmos desidratados e cuidar dos animais de rua, entre outras providências. Não foi o caso dos vasinhos de violeta da minha mãe, pois esses ela administra com zelo especial, faça chuva ou faça sol. Parece que ela conversa com as violetinhas, cuida, retira folhas secas, não deixa que falte água nem permite excessos. No caso dos gramados das praças, aquelas que ainda os têm, o verde cedeu lugar ao cinza, a grama e outras plantas ficaram em estado lastimável. Acho que faltou quem conversasse com elas.

Se minha memória não falha, existiu um tempo em que jardineiros dedicados cuidavam das praças, aguavam, limpavam, conservavam os bancos, os caminhos e outros equipamentos. Um tempo depois — é o que eu me lembro —, algumas pessoas disseram que era um gasto desnecessário e era melhor terceirizar o serviço. A primeira consequência foi a deterioração das praças; em seguida, o afastamento dos frequentadores. Depois, sumiram as torneiras usadas para conectar as mangueiras de aguar as plantas quando as chuvas não compareciam. A grama cresceu, o mato tomou conta, as flores desapareceram e, por fim, o abandono. Só depois de muita reclamação dos usuários é que apareceu uma turma para dar um jeito. Mas estas não são circunstâncias relacionadas às chuvas.

É nisso que dá o afastamento da chuva, ainda que temporário; a gente começa a reclamar, a apontar defeitos, a fazer comparações. Deixa pra lá, o fato é que a chuva voltou. Chegou com seu cheirinho característico de terra molhada, talvez algum transtorno, mas deixou o ar mais fresco e nos concedeu um alívio do calorão. Dá até vontade de ligar para os amigos, marcar de encontrar em algum barzinho. Melhor seria na pracinha do bairro, né? Os mais afoitos pegam os celulares, que, aliás, estão sempre à mão, como se fossem parte do corpo, tiram fotos e fazem vídeos da chuva para exibi-los nas redes sociais.

O advento da chuva é precedido de mudanças no céu, nas nuvens e no horizonte. Às vezes, a poeira avança, ameaçadora. Os mais entusiasmados afirmam que os pássaros sabem que vai chover e detectam alterações nos seus planos de voo. Os mais espertinhos garantem que eles vão retornar às suas respectivas casas, ou ninhos. Será que conhecem o endereço dos pássaros?

Quando a chuva está vindo, ouvimos os trovões, observamos os relâmpagos. Se estivermos atentos, dá para ouvir portas e janelas batendo. Em muitos quintais, as roupas serão rapidamente recolhidas dos varais e as mães chamarão as crianças para dentro de casa. Depois, é só curtir, enquanto durar. Aproveitem, porque às vezes ela passa tão rápido.

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