No início dos anos 1980, voltei a morar no interior depois de quase uma década morando em São Paulo. Fui para São Paulo com a intenção de estudar e “aprender a ser gente”, como se dizia na época. Morar sozinho, cuidar da própria comida, das roupas e da limpeza, enfim, tornar-me uma pessoa responsável, sem os pais para fiscalizar de perto, era uma exigência normal da vida naqueles tempos. Acho que ainda é! É claro que aprendi muito mais do que isso. Conheci muita gente, fiz grandes amizades, adquiri novos hábitos, passei a frequentar com regularidade o cinema e o teatro, fui a restaurantes e experimentei comidas que nunca tinha provado. Li muito, descobri autores incríveis e fiz das livrarias um território de encontros e de inspiração. A melhor coisa que me aconteceu foi ter encontrado minha companheira da vida inteira. Quando nos casamos, decidimos retornar para o interior.
Naquela ocasião, novos ventos sopravam no horizonte. O governo autoritário não se sustentaria por mais tempo. A vontade popular exigia mudanças, pessoas de todas as classes sociais foram às ruas dizer que queriam eleições diretas, democracia, modernização e liberdade política. Intelectuais e artistas se manifestavam contra a censura. O povo não escondia sua insatisfação com a carestia e a inflação.
A sensação era a de que os ritmos do interior eram mais lentos e saudáveis, mas o conservadorismo típico dos anos 1950 ainda predominava. Era coisa corriqueira visitar parentes, fazendo disso um ritual cerimonioso, repleto de convenções. Não se podia ir embora sem antes provar café, doces ou licor de jabuticaba. Vestir-se de modo sóbrio era obrigação. Nos encontros familiares, homens e mulheres tinham posição rígida, não só na hierarquia social, mas nos espaços de convivência — formalismos sem sentido.
Mesmo acostumados a morar em apartamentos, a olhar desconfiados ao dobrar cada esquina e a criar estratégias cotidianas para proteger a bolsa e a vida, preferimos morar numa casa com quintal, varanda, janelas que davam para a rua. Meu filho ficava horas olhando o movimento; as pessoas passavam, cumprimentavam e seguiam adiante.
Um tio vinha nos visitar sempre. Ele gostava de conversar, de contar histórias, mas quase surgiu um problema familiar por causa dessas visitas. É que ele não se conformava com o portão trancado. O costume era simplesmente entrar casa adentro; na infância, fomos criados assim: ninguém trancava portas ou portões, era descortês. Pouco tempo depois, nos mudamos para um apartamento. O tio deixou de nos visitar, disse que não gostava de lugares altos e irritava-se ao passar pela portaria. Nós íamos até ele, sempre entrávamos pela casa avisand “ô de casa!”.
Enquanto alguns portões se fechavam, com receio da violência e por outros motivos, outros se abriam. O mundo e o país se transformavam; a abertura durou trinta anos. Hoje, temos de nos esforçar para manter as portas e as mentes abertas.