Ousar é um ato necessário. Assim sendo, assumo o risco de propor a abolição do calendário, com todas as implicações e consequências.
Não proponho apenas o fim das folhinhas, das agendas, dos calendários com ímã, aqueles de grudar na geladeira. Vou mais longe: a proposta é eliminarmos a própria contagem dos dias, das semanas, dos meses, dos anos. Entenderam? Eu explico.
Não se trata da eliminação do tempo, do fim da história, como já fizeram. Não. A ideia é revolucionária e inovadora. Minha preocupação é com a felicidade humana, é com o bem-estar das pessoas. É só observar o comportamento dos indivíduos, prestar atenção a alguns detalhes do cotidiano.
Vejamos a questão da idade. Eis uma coisa que incomoda muita gente. Já ouviram alguém reclamar que está ficando velho? A toda hora! Queixam-se que não têm mais idade para isso ou para aquilo, se acham velhos, imprestáveis porque estão com 60 anos, 40, 30... Tem gente que se estressa com aniversários, seu e dos outros. Muitos encaram como uma formalidade tão formal que o que devia ser fonte de prazer e alegria vira chateação, desentendimento familiar. Ah, não! É só acabar com o calendário, com a contagem do tempo e ninguém reclama mais. Reclamar do quê? Velhice e mocidade passariam a ser apenas um estado de espírito, não uma constatação matemática e cronológica. Entenderam? Dá para se julgar velho num dia e novo no outro. Qual é o parâmetro? Você mesmo, e não o simples desenrolar dos dias. Ao menos diminuiriam os limites psicológicos à decadência física.
Eliminaríamos as segundas-feiras e a tristeza que causam a muita gente. Não basta acabar com esse dia da semana, é preciso eliminar toda a semana, de domingo a domingo. Todos os dias passariam a ser iguais. Ou melhor, cada dia seria um dia diferente, acaba-se a rotina. Existem casos de pessoas que adoecem na segunda-feira, a pressão sobe, ficam com febre, tudo porque é segunda-feira. Com o fim da semana, tudo mudaria. Cada um estabeleceria seu próprio ritmo de trabalho. A vida social e econômica fluiria com maior espontaneidade.
É claro que temos de eliminar também os meses. Acabar com as preocupações relacionadas às datas inevitáveis, com as datas de pagamento, com os prazos finais e irremediáveis. Que delícia não ter de sair correndo para pagar uma conta, não ter mais de ouvir aquela velha ladainha conservadora de que brasileiro deixa tudo para a última hora! É simples: acabou-se a última hora! O último dia! Estaremos sempre começando algo, e isso significaria uma grande libertação para o ser humano, que seria reconhecido em sua plenitude como sujeito de suas realizações. Tudo isso diminuiria muito o poder dos burocratas e das pessoas autoritárias que se escondem atrás dos prazos para estabelecer seu domínio e causar tristezas. Teríamos uma melhor qualidade de vida e poderíamos desfrutar mais a companhia das pessoas de quem gostamos. Pensem nisso!