ARTICULISTAS

O fio da meada

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 25/09/2023 às 18:15
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Você começa a ler e o telefone toca, ou foi o interfone? O entregador trouxe uma encomenda e você tem de ir buscar na portaria. Na volta, a dúvida te assalta: “o que mesmo eu estava fazendo?”, e o livro fica esquecido. Aliás, era uma crônica ou um romance? Ou era aquela receita de bolo sem açúcar da internet?

Ruim é ler com alguém no seu ouvido falando sem parar sobre o trânsito pesado no fim da tarde, na volta do trabalho. A gente se distrai e não tem mais jeito de voltar à leitura. Aí você vai cozinhar feijão, faz tudo direitinho, mas esquece o fogo acesso e o feijão queima. A TV também estava ligada, mostrando uma notícia sobre o aquecimento global, e antes de desligar a TV você quer saber mais sobre o terremoto no Marrocos e acha melhor pedir comida pelo aplicativo. Cartão ou dinheiro? Já pagou a fatura do cartão de crédito? E se pergunta: “Onde eu coloquei minha carteira?”.

Comida chinesa, pizza ou lanche rápido? Eis que você se lembra que tem aula logo mais e ainda não leu o texto que o professor pediu pra ler. Que texto? Onde está? Mas você tinha uma consulta marcada no dentista às 16 horas, ou era às 17h? E vai procurar o texto para ler antes de sair para comprar frutas no supermercado. Cadê a listinha de compras? Então você se lembra de que colocou a tal lista dentro do livro que estava lendo hoje cedo quando o entregador chegou com a blusa que você comprou pela internet no mês passado. “Puxa vida, como demorou a chegar! Veio da China esse negócio?”

Você pega o celular para perguntar no grupo da faculdade se alguém sabe qual é o texto a ser lido para a aula daquele professor… Qual é o nome dele? O tempo anda curto. Tanta coisa pra fazer e não sobra tempo para ver um filme, sair com os amigos, tomar um café, viajar. “Depois que apareceu essa quantidade imensa de plataformas de filmes a gente não assiste mais nada, né? Fica só maratonando séries e isso tira a atenção da gente.” Outro dia, foi dormir às quatro da madrugada. A história martelava na cabeça, mas de manhã cedo já tinha esquecido o nome da série.

O tempo está escasso, ninguém mais tem tempo pra nada. Não se diverte mais, são tantos compromissos que não se sabe como a gente vive, como a gente dá conta de tantos afazeres, de tantas responsabilidades. Se você não anota tudo no celular, se perde.

Sobre o que mesmo eu queria falar nesta crônica? Acho que me distraí e o assunto foi embora, para outras páginas, outras telas, outros mundos. Talvez um mundo sem tantas distrações inúteis que roubam nosso tempo.

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