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O jantar solitário

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 31/07/2023 às 18:34
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Os primeiros fregueses costumam chegar às 18 horas. Seu Augusto, responsável por controlar entradas e saídas, abre as portas e se posiciona na frente do estabelecimento, gentil, atencioso; é só alegria. Dali, só arreda pé quando o último cliente vai embora, o que geralmente acontece por volta de duas da madrugada nos fins de semana. Alto, elegante e sorridente, ele usa um fraque, e eu tenho de explicar que negócio é esse; os mais novos talvez não saibam. É uma espécie de paletó comprido, uma casaca de cauda longa, traje masculino que, dizem os entendidos, deve ser usado em eventos diurnos. Com seu metro e noventa de altura, imaginem a figura do porteiro. Sempre a mesma gravata, vermelha, desbotada. Usasse o homem uma cartola, poderíamos nos sentir no século XIX. Sabe-se lá de quem foi a ideia de sugerir essa fantasia a ele.

O salão amplo, móveis gastos, tinha dois imensos televisores pendurados nas paredes, um na lateral e outro nos fundos. Era só entrar o primeiro cliente que o proprietário aparecia para ligar. Sem som, só a imagem, sempre no mesmo canal, fosse noticiário, filme, novela ou jogo de futebol. Vez ou outra, um cliente pedia para aumentar o som ou desligar. A desculpa era a mesma: o controle estava quebrado. Caiu no chão na semana passada e ainda não foi encaminhado para a assistência técnica, desculpava-se o garçom, envergonhado por ter de repetir a mesma mentira.

Com exceção das festas de fim de ano, aniversários e formaturas, o salão não enchia. Meia dúzia durante a semana e um pouco mais às sextas e sábados. O que chamava a atenção eram os olhos do público grudados nas TVs. Pouca conversa nas mesas ocupadas por casais, barulho e movimento nas mesas com a presença de crianças, a quem as TVs mudas não empolgavam. Dava pena ver os comensais solitários; com seus olhares desinteressados grudados nas imagens, levavam o garfo à boca sem saber o que estavam ingerindo.

Um dia, mais cedo do que o esperado, os aparelhos foram retirados do recinto. Seu lugar foi ocupado por celulares, só que cada freguês com o seu, o olhar fixo na tela brilhante, em completo silêncio, inclusive as crianças. O cardápio foi substituído por algum artifício eletrônico, os pedidos digitados em máquinas instaladas pelo salão. A retirada, feita direta no balcão. Aos garçons cabe limpar os despojos ao final. Por enquanto, prefiro pensar que as refeições, seja uma bela pizza marguerita ou um espaguete à carbonara, continuarão existindo. Depois, nem quero pensar.

Penso no Seu Augusto e em seu distinto fraque. Quando fecha as portas, ele vai à cozinha jantar e contar a gorjeta, separar moedinhas e notas. Planeja comprar um fraque novo. Ele não sabe que câmeras de vigilância já foram adquiridas. Quem vai contar ao homem que seu tempo ficou para trás?

Renato Muniz B. Carvalho

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