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O melhor da literatura

Renato Muniz
Publicado em 20/05/2024 às 19:29
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Quando eu estava no terceiro ano da escola, naquele tempo chamado de “Ensino Primário”, meus pais descobriram que eu estava com tuberculose. Foi um drama familiar. Durante muito tempo, meu pai se recusava a falar esse nome, ele usava a sigla “TB” e falava angustiado.

Como uma doença de boêmios, tão comum no século XIX, veio parar numa criança de nove anos? Como a doença infecciosa, causada por uma bactéria, chegou até em casa? Iria afetar meus irmãos mais novos? Era transmissível, sem dúvida, mas minha família não imaginou que isso pudesse acontecer. Se bem me recordo, começou com uma dor recorrente no peito. De tanto eu reclamar, levaram-me ao médico, muito simpático e com uma capacidade incrível para lidar com crianças. De imediato, ele solicitou uma radiografia. A doença tinha afetado meu pulmão esquerdo. Meus pais tinham de tomar medidas drásticas.

Constatada a enfermidade, isso resultou na minha saída da escola. Não podia mais frequentar o grupo escolar, clubes nem festas de aniversário. Em casa, apesar de não ter ficado isolado, passei por sérias restrições. O médico nos visitava com frequência. Se eu tivesse lido o Manuel Bandeira nessa idade, teria ficado perturbado. Mas minhas leituras eram outras, mais adequadas à minha idade.

Ausentei-me por mais da metade do período escolar, meu desempenho foi comprometido. Só voltei no início do quarto ano. Perdi contato com os colegas, com as professoras, e perdi as atividades escolares, numa época em que sequer imaginávamos que um dia teríamos atividades on-line, ensino à distância e outras modalidades, proporcionados pela internet décadas mais tarde.

Em casa, passava a maior parte do tempo deitado, de repouso, lendo. Essa foi a minha sorte: a leitura. Comia muitos ovos, como parte das recomendações médicas, e levava muitas picadas. Era injeção o tempo todo. Minha mãe ficava agoniada, pois era ela a responsável pela aplicação do medicamento. Não havia seringas nem agulhas descartáveis e o antibiótico doía bastante.

Anos depois, já curado, é que fui ler “Pneumotórax”, do Manuel Bandeira. A identificação foi direta. “Tosse. Diga trinta e três. Respire.” Mas eu não fui dançar um tango argentino. A pior parte foi ter ficado longe da escola. A melhor parte, se é que se pode dizer isso, foi que meus pais providenciaram centenas de livros para que eu enfrentasse o período de recuperação. Li todo o Monteiro Lobato para crianças, li os clássicos da literatura infantil: Hans Christian Andersen e os Irmãos Grimm. Ainda não tínhamos os livros de Ana Maria Machado, Ziraldo, Ruth Rocha, Lygia Bojunga, Eva Furnari e tantos outros. No final do ano, já estava lendo romances policiais, as aventuras de Jack London, Júlio Verne. Como duvidar do poder curativo da literatura? Literatura salva, cura. Tuberculose, até hoje, é um problema de saúde pública, afeta milhões de pessoas, mas a vacina já está disponível para todos. E a literatura também.

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