Estou ficando velho e bobo. No meu caso, as duas coisas devem estar conectadas. É difícil acreditar que eu, algum dia na vida, fosse confessar uma coisa dessas. Alguém pode até achar que estou me expondo indevida e desnecessariamente. Muitos não hão de concordar comigo. Mas, cá entre nós, a velhice é algo implacável, adquire-se com a idade. Para escapar dela, só morrendo. O que não dá para entender é gente nova pensando e agindo como antigamente, defendendo retrocessos. Isso sim é preocupante.
Incomodam-me certos sintomas. Vamos a eles. Imagina que você esteja em casa, tranquilo, sábado à tarde, você tem um livro delicioso para terminar, o texto é envolvente, a história é boa. Nada mais pra fazer, nenhuma conta a pagar, pelo menos até segunda-feira, nenhum compromisso. É só sentar, pegar os óculos de leitura e abrir o livro. De repente, uma música alta, de conteúdo machista, ecoa na quadra inteira da sua casa, talvez no bairro inteiro, ultrapassa os limites da cidade. E repete, e repete, e repete… Não dá vontade de chorar? Será “coisa de velho”?
Você vai à farmácia pra comprar um remedinho para dor de cabeça. Afinal, depois de passar a tarde inteira chateado por conta de um vizinho inconveniente, a dor veio. Está chovendo e você resolve ir de carro. No estacionamento, o lugar destinado aos idosos está ocupado, nem sinal da credencial necessária. A única vaga disponível te obriga a sair correndo do carro e chegar molhado à entrada da loja. O pior é descobrir que o “idoso” que estava na vaga devia ter no máximo uns 30 anos. Você vai reclamar? Com quem? Para o bispo? Ora, deixa disso, reclamar é “coisa de velho”.
Ruas sujas, praças malconservadas, poucos parques e áreas verdes? Acha ruim? “Coisa de velho ranzinza”. Buzinas de madrugada, cachorros abandonados, calçadas impossíveis de caminhar. Te incomodam? Ora, “coisa de velho”.
Quer pensar mais um pouquinho? Gente nova defendendo ditadura, censura, preconceito, notícias falsas, fico furioso com isso. E mais: jovens indiferentes à literatura, aos livros, contrários às manifestações artísticas, a shows de música nas praças e a outras manifestações da cultura popular.
Difícil dizer o que é pior, mas observar o discurso dos negacionistas do clima e de pessoas que acham que conservantes alimentícios e afins não fazem mal à saúde é pra deixar o cidadão atônito, inconformado. Esses assuntos estão nos jornais, nas TVs, nos programas de rádio, nas redes sociais, nas mesas dos botecos, não é por falta de aviso. O que dizer da violência contra mulheres? Do racismo escondido, sorrateiro, esperando para dar um bote? Se você tem postura crítica e condena, você será um eterno jovem de espírito crítico ou, para alguns, um “velho intrometido”. Melhor questionar os conceitos e as afirmações óbvias. Prefiro bobo e velho do que indiferente; indignado a estúpido.