ARTICULISTAS

O prisioneiro

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 06/02/2021 às 12:07Atualizado em 19/12/2022 às 05:00
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Será que é possível saber tudo o que acontece na cabeça de uma pessoa? Acho que não. Vejam esta: tenho um amigo que gasta boa parte de seu tempo preocupado com sua segurança pessoal e a da sua família. O fulano vive atormentado, pensando em se proteger; vive cercado por diversos mecanismos de vigilância, desde cachorros bravos — uns infelizes! — até câmeras, sensores, etc. Entende tudo de segurança pessoal, assina revistas especializadas e costuma assistir a centenas de vídeos na internet sobre o assunto. O fato é que sua obsessão piorou com o passar do tempo, agravou-se conforme aumentou o falatório geral sobre violência, com o crescimento da audiência dos programas sensacionalistas da TV e do rádio e com os avanços tecnológicos da área.

Seu comportamento nas ruas da cidade também era um indicador de sua preocupação excessiva com o tema. Hoje, quase não sai de casa. Antes, era mais sossegado, embora fosse do tipo que andava com a carteira de dinheiro nas mãos. Apertava de tal maneira a dita cuja que as notas se colavam umas às outras. Ele dizia que estava em constante batalha contra as “forças do mal”, como ele definia entidades misteriosas e invisíveis que só ele conhecia. Por um tempo, eu fiquei imaginando o dia em que ele sairia de armadura ou, se pudesse, rodeado por seguranças e seus fones de ouvido, como num filme de Hollywood.

Talvez eu esteja exagerando, mas virar uma reles esquina era um verdadeiro suplício para meu amigo. Na sua ótica, ele dizia que nunca poderia saber quem iria encontrar do outro lado. E alguém saberia? Uma pessoa que viesse em sua direção era objeto de minuciosa análise estratégica: “Representará algum perigo? Será um assaltante? Será um pedinte ou um pobre coitado?” Resumind preferia não sair de casa e, se tivesse de sair, que fosse de carro, com as portas trancadas e os vidros levantados. Não podia dar mole pros bandidos.

Numa retrospectiva breve, não hesito em afirmar que passou a vida atrás das grades, como um presidiário. Não, nunca esteve preso, mas, desde que comprou sua casa, há mais de trinta anos, sua principal preocupação sempre foi segurança. Será uma doença?

Por que estou contando isso? É que alguém da família dele me ligou para falar do estado lastimável em que meu amigo se encontrava. De uns tempos pra cá, recusa-se terminantemente a sair de casa; nem para ir à panificadora da esquina. Pediram que eu fosse visitá-lo quando pudesse. Será que devo ir? E se eu ficar preso na casa dele? As grades que o cercam são tão intransponíveis que corro o risco dos portões não se abrirem para eu sair. Se acontecer, como vou me evadir do recinto? Essas pessoas cercam a si próprias, depois reclamam de isolamento social, de quarentena e outras prisões interiores. Tou fora!

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