Quando eu volto de uma viagem, depois de ficar alguns dias fora da cidade, ao entrar em casa vou logo abrindo as janelas para verificar se tudo está no lugar. Refiro-me à paisagem externa, ao entono, ao que eu consigo enxergar lá fora.
Meu receio é que tenham derrubado árvores, demolido algum casarão histórico, cimentado uma praça, fechado o boteco da esquina. Seriam perdas irreparáveis. Compreendo que as coisas mudam, o progresso tem de avançar, mas não se pode alterar as coisas sem aviso, sem debate, sem a concordância da maioria, não é? Não me entendam mal, não defendo nenhum tipo de autoritarismo, de saudosismo, muito menos congelamento da vida ou restrições que não sejam negociadas.
Pensem nisto: sabe as árvores que nos encantam, as árvores da rua onde moramos? Imaginem que foram sumariamente cortadas enquanto estávamos longe. Que tristeza. Quem cortou? Ninguém pensou nos passarinhos que vinham cantar pousados nos seus galhos? Para onde vai o sabiá-laranjeira que me acordava bem cedinho? E as maritacas que alegravam minhas manhãs? Ninguém pensou no ambiente acolhedor dessas árvores, que deixavam mais aprazíveis nossas caminhadas nos fins de tarde? Ninguém se preocupou com os carros que disputavam sua sombra? O que vai acontecer com a água da chuva e o forte impacto nas vias públicas? Água da chuva que, sem barreiras, vai escorrer avenida abaixo e causar destruição, abrir buracos. Água que vai se transformar em enxurrada, arrastar resíduos e lixo rumo aos córregos, causando inundações e poluição. Não pensaram nisso?
Imaginem o transtorno que seria retornar de uma viagem e encontrar o boteco fechado. Encerrou as atividades, retiraram as mercadorias, desfez-se o balcão, sem mesinhas na calçada. Cadê a prateleira de garrafas de cachaça, a estufa sempre cheia de coxinhas, ovos cozidos e quibes? Cadê o freezer lotado de cerveja e refrigerantes? Cadê o fogão sujo de gordura da fritura do torresmo? Tudo bem, eu não tomo cerveja nem como torresmo, mas era bom passar por lá no fim de tarde para ouvir as notícias. O que nos resta? Ficar sentados em frente da televisão até vir o sono?
Imaginem se fecham o posto de saúde, se mudam a escola de lugar, se alteram o ponto do ônibus. Vou sentir falta do barulho dos meninos da escola na hora do intervalo, de suas brincadeiras, seus gritos de alegria e corridas incansáveis pelo pátio. Vou sentir falta do movimento no início e no final do período letivo, das conversas das crianças com quem vinha buscá-las na hora da saída.
Como alguém modifica o mundo dos outros sem sequer ouvi-los? Estou exagerando? Se estiver, perdoem aminha intransigência. Sabemos que a vida urbana é complexa, mas muitos conflitos seriam evitados se pudéssemos conversar sobre o lugar onde vivemos, sobre as transformações que nos afetam. Não é?
Renato Muniz B. Carvalho