ARTICULISTAS

O sumiço das estantes

Renato Muniz
Publicado em 13/10/2025 às 18:09
Compartilhar

As estantes de livros estão desaparecendo sem que muita gente se dê conta. É um processo sutil, quase imperceptível, mas os sinais são visíveis. Como não se trata de uma investigação governamental ou acadêmica, não dá para saber se o declínio começou pelas pequenas ou pelas grandes estantes. O fato é que diminuíram, tanto no setor público quanto no privado, seja nas mansões ou nas residências mais modestas da periferia.

Elas diminuem na medida em que os livros, seus principais ocupantes, passam por mudanças no perfil de vendas e dos leitores. O fenômeno não se restringe aos livros. Outrora presentes em várias residências, jornais e revistas impressas também conhecem decréscimo semelhante. Tiragens caíram, bancas de revistas fecharam, editoras faliram.

Será que vão desaparecer? Quantos anos vai transcorrer até o seu completo desaparecimento? Será que os fabricantes de estantes e as lojas de móveis detectaram alguma tendência? O setor da informática cresceu bastante no período, mas não se pode atribuir a isso a culpa ou motivo do declínio. É claro que há uma diminuição dos espaços, a exaltação dos ambientes com o mínimo de móveis, influenciando as novas gerações. Os grandes sofás e as mesas com várias cadeiras deram lugar a móveis compactos, fogões de uma ou duas bocas substituíram os grandes fogões de várias bocas.

As novas residências não têm mais espaço para escritórios, muito menos para salas de leitura. Livros em prateleiras passaram a ser objetos de espanto, de questionamentos antropológicos diversos. As pessoas perguntam: “você já leu todos?” “Para que servem tantos livros?” “Você tem certeza de que vai ler tudo isso?” Imagino como deve ter sido o espanto da menina de chapeuzinho vermelho indagando ao Lobo Mau: “pra que serve essa boca enorme?” Que situação, hein?

No tempo das grandes estantes, muitas conversas giravam em torno dos livros lidos. À sua volta, eram frequentes os comentários sobre leituras, narrativas, enredos, questões ideológicas, sem medo ou ódio, sobre a construção das personagens, as escolas literárias, o impacto das novas linguagens, os rumos da prosa. Agora, imagine a mesma conversa diante de um computador anônimo, silencioso, a tela branca! Vamos imaginar o pen-drive nas mãos de um debatedor e ele ali, compenetrado, discorrendo sobre um livro lido sem poder mostrar a capa, sem escolher ao menos um trecho para criticar ou elogiar. Por mais intelectualmente brilhante que seja, não é a mesma coisa. Implicância minha? Não, deve ser incapacidade ou ranço em aceitar o novo.

O desaparecimento das estantes está relacionado às novas referências políticas e culturais, não só arquitetônicas, e também às dificuldades na construção de um mundo mais plural e menos autoritário. Pena que não ocorre só com as estantes, mas com os livros também. As crianças hão de precisar deles no futuro, não vão se contentar apenas com o meio digital.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Logotipo JM OnlineLogotipo JM Online

Nossos Apps

Redes Sociais

Razão Social

Rio Grande Artes Gráficas Ltda

CNPJ: 17.771.076/0001-83

Logotipo JM Magazine
Logotipo JM Online
Logotipo JM Online
Logotipo JM Rádio
Logotipo Editoria & Gráfica Vitória
JM Online© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por