Quem nunca brincou num quintal? Um quintal de terra, espaçoso, cheio de árvores frutíferas
Quem nunca brincou num quintal? Um quintal de terra, espaçoso, cheio de árvores frutíferas, com recantos secretos, lugares escondidos, em que só o dono do esconderijo sabia onde ficava. Muita gente boa já passou uma tarde inteira num quintal. Uma tarde tranquila, sem pai, mãe ou irmãos cobrando tarefas, serviços ou atitudes adultas e responsáveis.
Quem nunca pulou um muro atrás de uma bola perdida que caiu no quintal do vizinho? Ah, quintal, quintais, substantivo masculino, palavra de origem latina, nome e espaço característicos, que herdamos de Portugal. Lugar indefinido, perdido, sem destinação específica, território de brincadeiras, de aventuras, de dissabores e de recordações... Que saudade dos velhos quintais da minha infância! Saudade dos segredos e dos guardados que ficavam nos fundos do quintal da casa dos avós, da sabedoria acerca dos galhos mais firmes, das frutas mais doces, dos cantos furtivos e sigilosos que só eu conhecia.
Nas minhas memórias, quintais remetem a locais amplos, ambientes quase infinitos, repletos de possibilidades. Quintais me falam de liberdade, de área verde, hortas, brincadeiras ingênuas, um refúgio perfeito para horas de reflexão ou chateação, aqueles momentos em que você não quer conversar com ninguém, não quer dar satisfação da sua tristeza, justificar seus atos ou explicar porque está macambúzio, perdidamente apaixonado, mas não pode falar o nome da pessoa amada. Os quintais me fazem recordar mangueiras, jabuticabeiras, goiabeiras, gatos inconvenientes e seus miados estranhos, cachorros latindo noite afora. E as festas, as reuniões familiares debaixo de sombras acolhedoras, as brincadeiras que a vida adulta não permitiu mais. Que pena!
Com o passar do tempo, do tempo histórico, a impressão que tenho é que os quintais entraram em extinção, como os dinossauros, os morros que viraram favelas, as matas que se transformaram em pastos e lavouras. Se alguém não contasse, ninguém acreditaria. Diminuíram de tamanho, desapareceram, mudaram de forma, de destino e assim, sem mais nem menos, sumiram. Será uma sensação só minha?
Os quintais da minha infância foram substituídos por playgrounds, por parquinhos, por áreas de alimentação dos shoppings, por quadras cobertas, onde se paga para entrar, onde os horários são rígidos e cronometrados, nada de ficar pensando na vida. Tudo é tão vigiado, controlado, cimentado, proibido... Que graça tem? Derrubaram as árvores, construíram prédios altos, bloquearam o acesso, colocaram cercas elétricas e placas: “Sorria, você está sendo filmado”. Não dá pra sorrir numa situação dessas.
Quintais viraram terrenos de engorda, áreas aguardando a valorização imobiliária, estímulos à especulação fundiária, moeda de troca. Muitos se transformaram em criadouros de insetos, de ratos, depósitos de lixo e de mercadoria roubada. Uma temeridade urbana. Ninguém os quer como vizinhos. Cadê meu quintal? Virou estacionamento. Os carros venceram! O cimento consolidou seu domínio, frutas frescas só no supermercado, não há mais sombras nem segredos. O que será do mundo se ninguém mais puder brincar num quintal?