Meu avô contava que, nos anos 1940, para percorrer de carro os quase 500km que separam Uberaba de São Paulo
O tempo no retrovisor
Meu avô contava que, nos anos 1940, para percorrer de carro os quase 500km que separam Uberaba de São Paulo, ele gastava quase um dia inteiro. Fotografias dessa época mostram ele, os parentes e os amigos vestidos com longas capas. As mulheres sempre de lenço na cabeça. Um dia, a bisbilhotice bateu forte e eu quis saber o motivo destas vestimentas tão incompreensíveis para o meu tempo. Ele disse que era por causa da poeira. As estradas não eram asfaltadas.
Quando eu era criança, já nos anos 1960, os ritmos ainda eram lentos, pelo menos essa era a sensação. Rápida e instantânea só a nossa curiosidade. Comer, viajar, brincar, viver, nada disso exigia pressa. Uma ligação telefônica interurbana podia levar horas para ser completada, e ainda necessitava da intermediação de uma telefonista. Os rádios tinham válvulas, que eram do tamanho de lâmpadas, e demoravam intoleráveis minutos para despertarem de sua letargia e irradiarem alguma notícia relevante.
Minha família era grande, o que era comum naqueles tempos, então, meu pai tinha uma Kombi, onde cabiam até 11 pessoas: o casal, os filhos, os agregados... Era impossível exigir velocidade dela.
Quando íamos à fazenda do meu avô, não se podia esquecer velas, lamparinas e querosene para os lampiões. A preparação desse aparato, que garantia um pouco de iluminação durante as noites, começava à tardinha. Senão corríamos o risco de ficar no escuro. O anoitecer, conforme minha imaginação acerca dos ritmos cósmicos e geográficos, era vagaroso. Eu desconfio que até o movimento de rotação da Terra era mais demorado. O pôr do sol era preguiçoso e melancólico. Dava para se refletir sobre uma vida inteira enquanto não escurecia.
Um dia, meu pai chegou com uma novidade: um carro novo. Era um Dodge Dart, último tipo, tinha uma frente enorme, chique pra caramba! Para nós, o mais interessante é que ele fazia mais de 100km por hora; dizem que chegava a 180km/h. Uma façanha! Olhei para minha bicicletinha vermelha largada num canto e suspirei. Reação semelhante deve ter tido minha mãe, que toda manhã esperava a carroça do leite e, com toda a paciência do mundo, aguardava o entregador encher dois litros, que ela deixava lavados de véspera. O que deve ter pensado minha avó, que era capaz de passar intermináveis horas mexendo com uma comprida colher de pau doces maravilhosos num grande tacho de cobre?
Eu confess custei a perceber que o tempo tinha se acelerado. A energia elétrica chegou à zona rural, os lampiões foram aposentados, ninguém mais se preocupava com o entardecer. Trabalhadores varavam a noite trabalhando. Correr significava progresso. Muitos apertaram o passo, a maioria tinha de corresponder à produtividade que batia à porta, outros corriam da repressão, da Ditadura. Não se podia mais perder tempo. Olhando pra trás, percebo que algo ficou esquecido no passado. O que será?
Renato Muniz Barretto Carvalho