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O triste fim de uma mangueira

O quintal era bem grande, uma imensidão poética, sem muros, apenas uma cerca fajuta...

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 16/07/2017 às 12:35Atualizado em 16/12/2022 às 11:59
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O quintal era bem grande, uma imensidão poética, sem muros, apenas uma cerca fajuta de arame, três fios, alguns postes desmilinguidos pra todo mundo saber que ali era o território de um casal de avós, que se levantava bem cedo, costume antigo, pra cuidar da hortinha e de algumas galinhas. Aos domingos, o casal recebia os filhos e netos para um almoço gostoso. As crianças se esbaldavam no quintal enquanto os homens conversavam na varanda e as mulheres na cozinha, uma estranha e arcaica divisão sem sentido. Nessa época, alguém plantou um caroço de manga Sabina num canto daquele quintal mágico, não se sabe quem, quando e que relevância isso tinha naqueles tempos.

O tempo passou, o pé de manga cresceu, o velho morreu, mas a casa continuou com a família. Apesar de contrariada, a avó aceitou diminuir o quintal, concordou em vender uma parte para pagar as despesas do inventário e, inconformada, viu um muro ser erguido para separar o terreno. Teve a sensação de que seria aprisionada no seu próprio universo. Pediu que a mangueira ficasse do lado de “dentro”.

Os filhos e netos continuaram alegrando os almoços de domingo. A sombra da mangueira serviu de abrigo para muitas festas, para encontros e tardes agradáveis, onde as divisões, sexuais, de idade e outras hierarquias, foram mudando de significado. As cadeiras eram colocadas ao redor, as quitandas vinham da cozinha, o chão ainda de terra, porém sem a horta e as galinhas.

O tempo é implacável. As crianças cresceram, a mangueira também, e muito! Deu frutos, caíram folhas... Alguém sugeriu que o chão de terra fosse cimentado para dar menos trabalho à avozinha, já bem velhinha. Não perguntaram a ela se essa era sua vontade. A mangueira passou a ser cenário de churrascos, de reuniões políticas, com as bênçãos da matriarca, de brincadeiras, cada vez mais raras, pelas poucas crianças que ainda frequentavam a casa, bisnetos de um novo tempo, onde já não se permitia que os miúdos subissem nas árvores.

Um dia, a avó faleceu. A casa foi alugada, virou um estabelecimento comercial, e a família se dispersou mundo afora. A mangueira ficou sozinha, guardiã do passado e das histórias. Uma vizinha reclamou da sujeira das folhas e das mangas que podiam causar um acidente se caíssem na sua cabeça. Então, podaram sem dó, cortaram os galhos, depenaram de forma humilhante a velha mangueira, para azar das maritacas e dos bem-te-vis que ali faziam seu pouso vespertino.

Uma manhã dessas, eu acordei assustado. Um barulho irritante de motosserra assustava o silêncio. Olhei pela janela e vi o tronco indo ao chão. Dias depois, a casa foi demolida e o terreno transformado num estacionamento. De teimosia, fui até o local e, irônico, sugeri um nome: Estacionamento da Mangueira. Vez ou outra, eu passo por lá, para desafiar minhas lembranças.

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