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O vendedor de canivetes

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 12/06/2023 às 18:38
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Sou péssimo vendedor e, aviso logo, não estou vendendo nada nesta crônica. Se você chegou até aqui pensando em comprar algo, pode tirar o cavalinho da chuva. Reconheço que tem gente que vende tudo, até traque estourado. Essas pessoas fazem enorme sucesso. Recebem pedidos de entrevistas, convites para se apresentarem em faculdades, organizações de caridade e igrejas. Muitas delas ganham para contar suas artimanhas. Deixem-nas vender seu peixe em paz.

O fato é que quem não desenvolveu o dom da venda, do convencimento, e juntou muitas coisas ao longo da vida, precisa tomar alguma atitude para resolver o assunto. Eu, por exemplo, sempre gostei de canivetes e saí por aí comprando todos, todos os modelos, tamanhos, procedências, etc. Eu era o tipo do cara que não podia ficar sem um canivete, seja na bainha, no bolso, no carro ou na pochete. E se fosse preciso descascar uma laranja de repente? Preparar um fio elétrico para uma ligação urgente? Fazer ponta num lápis? Retirar um espinho do pé? O que você faria?

O mundo mudou e eu não posso mais sair na rua portando canivetes e outros objetos semelhantes. Não posso entrar num banco, pois a porta giratória trava. Não posso me sentar à mesa do boteco, que o dono e os fregueses ficam me olhando desconfiados. Não posso visitar os parentes, que eles começam a me chamar de troglodita. O mundo está ficando um lugar difícil.

Coitada da pessoa que há duzentos ou trezentos anos estivesse no mato sem cachorro sem ao menos um canivetinho para se defender e se alimentar. Como fazer fogo sem gravetos? Como arranjar gravetos sem cortar galhos? Como fazer um espeto de bambu sem um canivete afiado? As coisas mudaram. Daqui a pouco, as canetas vão fazer companhia aos canivetes como objetos obsoletos, e os livros, as calculadoras de bolso, os marcadores de páginas, os relógios de pulso, os chaveiros — já estou triste só de pensar no que vou fazer com minha imensa coleção de chaveiros.

Chega de lenga-lenga, tenho que me desfazer dos canivetes e pronto. Desfazer significa o quê? Guardar num local inexpugnável? Dar de presente para os sobrinhos? Jogar fora? Jogar fora não, né, Renato? Que atitude mais antiecológica! Vou vender.

Colocar anúncio no jornal é uma boa solução, embora nunca tenha visto um anúncio desses. Você já viu? Se me identifico, vão pensar que sou um cara pré-histórico, um neandertal. Não é constrangedor? Ao passar na rua, vão me apontar o dedo e dizer, tapando a boca com as mãos: “Olha, lá vai o cara que colecionava canivetes!”. Eu saberei que estão falando de mim, mas, se eu for tirar satisfações, é capaz de chamarem a polícia para prender o antissocial que carrega um canivete na bainha, o matuto que acredita que canivetes ainda são indispensáveis nesse mundo tão informatizado.

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