RENATO MUNIZ BARRETTO

Olha por onde anda

Renato Muniz Barretto
Publicado em 27/02/2023 às 20:18
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Minha avó dizia que de médico e de louco todo mundo tinha um pouco. Sempre que estava contrariada, ela nos mandava à farmácia comprar um analgésico. Numa dessas ocasiões, encontrei uma pessoa que caminhava pela calçada, como eu, pensando na vida, observando o entorno, tentando descobrir quem era quem no teatro do mundo, suas motivações, o que as alegrava ou entristecia. Tudo era movimento, distração, vida, a cidade e sua riqueza cultural, a complexidade urbana, sons, trânsito, um emaranhado de fios, o mais alto grau de dispersão. Eu não podia me esquecer do nome do medicamento.

Foi quando avistei alguém vindo em sentido contrário, com segundas intenções. Tudo indicava que minha caminhada seria interrompida. Pensei que lá vinha um pedido, uma reclamação, uma informação ou coisa semelhante. Isso era o tipo de coisa que me chateava: interromper devaneios, sonhos e reflexões sobre trivialidades. Ser parado no meio do caminho não dá! Já me preparava para dizer “não” e aumentar o ritmo dos passos, mas achei que seria melhor sorrir, assim a negativa ficaria suave. A pessoa parou bem na minha frente, sorriu e me surpreendeu ao falar que iria me dar um conselho. “Que conselho será esse?”, pensei. E ela, séria, solene, disse que eu não devia pisar nas tampas metálicas existentes nas calçadas.

Aquilo me desconcertou de tal forma que, se tivesse um banco ali, no meio do caminho, eu a teria convidado para sentar e discutir o assunto em profundidade. Mas não tinha banco algum. As explicações foram dadas de pé, no meio da calçada, atrapalhando a circulação dos pedestres – a sorte é que era uma manhã de sábado, céu claro; se alguém tinha pressa era para ir à banca de revistas, beber um chope no boteco, tomar um suco natural. No meu caso, caminhar até a farmácia para comprar um remédio, mas eu já tinha esquecido o nome do produto. Enfim, não tinha mais pressa.

Teoria inovadora e curiosa a da pessoa que me interrompeu. Ao pisar sobre o metal, isso alterava o equilíbrio do metabolismo corporal, prejudicando as funções orgânicas, a alcalinidade do sangue e o discernimento político. Bem verdade que eu tinha uma imensa dificuldade com esse tipo de raciocínio e não foi fácil digerir aquele. Melhorar a alimentação, reduzir o consumo de sal, de açúcar, fazer atividades físicas, tudo bem, dá para compreender, mas evitar pisar em tampas metálicas… Qual a lógica?

Voltei para casa sem a encomenda e levei uma bronca. Aquela teoria estranha não me saiu da cabeça. Num outro dia, resolvi parar um sujeito no meio da rua e perguntar a opinião dele sobre pisar em tampas metálicas, se fazia mal à saúde, etc. O passante irritou-se e me respondeu: “Ainda se fosse pisar em cocô de cachorro!” Ah, a compreensão da realidade não é fácil!

 Renato Muniz B. Carvalho

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