Eles estavam sempre presentes. Logo cedo, já nos aguardavam na porta de casa, na varanda ou no quintal. Um, dois, três, às vezes mais. Cada um com seu jeito próprio de ser, sua índole, uns mais alegres, brincalhões, irreverentes, outros mais quietos e introspectivos. Nós os considerávamos companheiros, amigos de verdade.
Hábito antigo — deve ter vindo do tempo das cavernas —, ter conosco cães, gatos, cavalos, vacas, cabras e outros animais, que hoje chamamos de domésticos, nos acompanha até hoje. Penso que os cães ocupam lugar privilegiado neste rol. Não sei se a explicação é antropológica ou psicológica, mas como eles têm um olhar sedutor! Desconfio que eles saibam disso.
Outro dia, ao fazer uma caminhada ocasional na avenida, percebi que um cachorrinho me acompanhava. Olhei pra ele, ele me olhou, continuei andando. Às vezes, ele estava na frente, às vezes, ficava para trás. Devia estar me testando, verificando minha receptividade. Evitei fazer festa ou oferecer algum afago. Fico chateado com essa atitude de descaso, mas não tenho como fazer compromissos afetivos caninos ou felinos nessa altura da vida. Ele me acompanhou por quase oito quarteirões, depois voltei e ele seguiu em frente, talvez à procura de alguém mais cordial ou acolhedor. Não sei.
Na fazenda, eles tinham esse comportamento, sempre juntos da meninada. Ora iam à frente, em outras ocasiões ficavam na retaguarda. Mas bastava chamar que eles vinham; sem dúvida que estavam atentos, apesar de sua aparente displicência. Na nossa cabeça de menino, eles nos protegeriam, não nos deixariam pegar um atalho errado, não permitiriam que uma cobra nos picasse. Sempre alertas!
Difícil era voltar para a cidade e deixá-los lá. Ficariam bem e seriam alimentados até nossa volta? Era visível sua tristeza, ou desolação, nos fins das tardes de domingo, quando se deitavam com a cabeça apoiada nas patinhas dianteiras e ficavam a olhar nossa partida. Uma vez, um deles cismou de seguir o carro estrada afora. Queria vir conosco para a cidade. Era preciso parar o carro, descer e ralhar com ele, exigir que voltasse. Teimoso, em uma ocasião o encontramos bem à frente, talvez com a esperança de que não o faríamos retornar.
Nem tudo era alegria ou diversão. Vida de cachorro roceiro nunca foi fácil. Aquela sensação que nos é vendida, de liberdade e autonomia, não existe. Os animais não têm como retornar ao estado selvagem de antes da domesticação, não têm como retroceder 500 mil anos na história. A responsabilidade é nossa e muitos não compreendem. Por isso os maus-tratos, os abandonos, por isso muitos são acometidos por doenças e parasitas. Conheci alguns mutilados, rabos e orelhas amputados, desconfiados de todos nós, os humanos, ditos seres superiores. Julgamo-nos seus donos, como se eles fossem coisas, objetos descartáveis. É pena! Espero que isso mude um dia!