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Os ternos do meu avô

Meu avô era uma pessoa amável, magrinho e muito elegante. Não tinha vaidades

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 16/11/2019 às 13:43Atualizado em 18/12/2022 às 02:00
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Meu avô era uma pessoa amável, magrinho e muito elegante. Não tinha vaidades nem pretensões políticas e evitava excessos. Há quem diga que ele era pão-duro. O fato é que se tornou famoso pelo comportamento comedido, moderado com os gastos e por condenar todo tipo de desperdício. Tinha o costume de se abaixar para pegar um mísero parafusinho caso topasse com algum pelo caminho. Acho que era um gesto pedagógico, pois fazia questão de dizer aos netos, quando estávamos em sua companhia: “Um dia a gente pode precisar”, e seguia adiante. A partir daí, nós prestávamos mais atenção onde pisávamos, em busca de um parafuso perdido, de um clipe, de um botão de camisa. Uma vez, eu percebi um sorriso astuto no seu rosto depois que guardou um “achado” no bolso. Sem que soubéssemos, ele estava nos dando lições, inclusive de educação ambiental.

Já contei, numa outra crônica, que ele morreu cedo, num trágico acidente de automóvel. Foi um trauma familiar. Uns meses depois, no duro processo de desmanchar sua casa e repartir a herança, sobraram seus ternos, e eles não serviam nem para o meu pai nem para meu tio, ambos bem maiores que meu avô, que era miúdo. Como a família estava em dúvida sobre o que fazer com eles, meus irmãos e eu reivindicamos alguns, os mais desgastados, os que tinham algum defeitinho. Aceitamos de bom grado. Éramos adolescentes despojados, sem muita preocupação com moda nem com que nos tomassem por ridículos. E daí?

Cada um levou seus ternos para o guarda-roupa. Minha mãe diminuiu as mangas, remendou uns rasgadinhos, costurou uns furinhos e estávamos chiques, “enternados”, orgulhosos por vestir uma roupa que tinha sido do avô. As calças não serviram, tiveram outra destinação, mas usamos os paletós por uma boa temporada.

Usávamos os distintos trajes na fazenda, na época do frio. Imaginem as figuras: botina mateira, calça rancheira pula-brejo, camisa de gola e paletó. Será que existia alguém mais refinado ou alinhado do que nós? Duvido! Na mochila que cada um levava para passar os dias na fazenda, além do canivete, da lanterna, dos livros que pretendíamos ler, do baralho para o truco nos fins de tarde e um chapéu de palha, não podia faltar o velho paletó. 

Ao olhar uma antiga fotografia do meu irmão vestindo um desses paletós, me lembrei de algumas lições do meu avô: evitar comportamentos perdulários, ser cortês e respeitoso com todos. Trajar seus ternos não nos fazia melhores nem piores do que os outros. O fato de nos vestirmos daquela forma não nos traria nenhum privilégio ou destaque. O dito popular diz que o hábito não faz o monge; sabíamos disso, mas era bom recordar o avô ao usar seus paletós, reverenciar sua memória e percorrer com atenção e humildade os caminhos que ele nos ensinou a trilhar.

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