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Para olhar o mundo

Eu moro numa casa razoável, nem grande nem pequena, com três quartos, um deles repleto de livros...

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 04/06/2017 às 15:01Atualizado em 16/12/2022 às 12:54
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Eu moro numa casa razoável, nem grande nem pequena, com três quartos, um deles repleto de livros. Ela está cercada por outras casas, tem um pequeno jardim na frente e um quintal gramado nos fundos. De manhã cedo, assim que acordo, gosto de abrir a janela e olhar a cara do dia. Quero ver se está nublado, se está com jeito de chuva, se está frio ou se vai esquentar. Gosto de observar sem pressa, admirando as nuvens e seus formatos curiosos, a névoa seca das manhãs de outono, os pássaros que voam longe, o movimento dos carros, o balanço das árvores, o vento... Não é nenhuma curiosidade científica, ou observação sistemática, é puro deleite, nada mais. Em relação ao clima, sou leigo, embora não descuide das fases da Lua; acho que é minha obrigação saber se ela está cheia, minguante, crescente ou nova. Também faço isso por mera bisbilhotice, não pretendo cortar bambu, plantar mandioca ou iniciar alguma dieta. Meu calendário é mais burocrático e terrestre do que lunar ou lunático.

 Faz tempo, ando com uma dúvida me incomodando a cachola. É o seguinte: de manhã, eu olho pra cima e vejo um lado do céu, mas, se vou à área de serviço, olho o outro lado, se vou ao jardim, tenho outra visão. A vista é a do lado oeste, por isso não vejo o nascer do Sol. Não consigo uma visão completa, mais ampla, da imensidão do espaço e de sua complexidade. Não se trata de uma preocupação religiosa, pois, a essa hora da manhã, pouco me importam as diferenças entre o visível e o invisível, entre anjos e arcanjos. Parece que o céu, de acordo com minha perspectiva, desde que eu esteja dentro de casa, está sempre fragmentado. Isso tem me dificultado tomar algumas decisões. Por exemplo, se devo levar guarda-chuva ou não, se devo levar um casaco, que roupa vestir, coisas assim, bem terráqueas. Dúvidas corriqueiras, mas que podem afetar o decorrer do meu dia, o trabalho, o humor. Imaginem que saio sem levar o guarda-chuva e chove, ou que não levo um casaco e esfria. Será que alguém sai de casa sem antes olhar o céu? Talvez os adolescentes, pois esses estão sempre com a cabeça nas nuvens, e as crianças, que ainda não precisam se preocupar com essas coisas.

Preciso ser mais objetivo. É gostoso poder observar o céu a cada manhã, mesmo se está chovendo, mas o que me preocupa neste momento é a observação da realidade, do mundo real, das contas a pagar, da política, das regras de trânsito, do nível de glicose no sangue... Será que estamos olhando a realidade de modo fragmentado? Como entender e interpretar corretamente a realidade? Diante de certos acontecimentos, de certas ocorrências esdrúxulas, acho que estamos perdendo a capacidade de compreender o mundo em que vivemos. Será? 

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