Eu moro numa casa razoável, nem grande nem pequena, com três quartos, um deles repleto de livros...
Eu moro numa casa razoável, nem grande nem pequena, com três quartos, um deles repleto de livros. Ela está cercada por outras casas, tem um pequeno jardim na frente e um quintal gramado nos fundos. De manhã cedo, assim que acordo, gosto de abrir a janela e olhar a cara do dia. Quero ver se está nublado, se está com jeito de chuva, se está frio ou se vai esquentar. Gosto de observar sem pressa, admirando as nuvens e seus formatos curiosos, a névoa seca das manhãs de outono, os pássaros que voam longe, o movimento dos carros, o balanço das árvores, o vento... Não é nenhuma curiosidade científica, ou observação sistemática, é puro deleite, nada mais. Em relação ao clima, sou leigo, embora não descuide das fases da Lua; acho que é minha obrigação saber se ela está cheia, minguante, crescente ou nova. Também faço isso por mera bisbilhotice, não pretendo cortar bambu, plantar mandioca ou iniciar alguma dieta. Meu calendário é mais burocrático e terrestre do que lunar ou lunático.
Faz tempo, ando com uma dúvida me incomodando a cachola. É o seguinte: de manhã, eu olho pra cima e vejo um lado do céu, mas, se vou à área de serviço, olho o outro lado, se vou ao jardim, tenho outra visão. A vista é a do lado oeste, por isso não vejo o nascer do Sol. Não consigo uma visão completa, mais ampla, da imensidão do espaço e de sua complexidade. Não se trata de uma preocupação religiosa, pois, a essa hora da manhã, pouco me importam as diferenças entre o visível e o invisível, entre anjos e arcanjos. Parece que o céu, de acordo com minha perspectiva, desde que eu esteja dentro de casa, está sempre fragmentado. Isso tem me dificultado tomar algumas decisões. Por exemplo, se devo levar guarda-chuva ou não, se devo levar um casaco, que roupa vestir, coisas assim, bem terráqueas. Dúvidas corriqueiras, mas que podem afetar o decorrer do meu dia, o trabalho, o humor. Imaginem que saio sem levar o guarda-chuva e chove, ou que não levo um casaco e esfria. Será que alguém sai de casa sem antes olhar o céu? Talvez os adolescentes, pois esses estão sempre com a cabeça nas nuvens, e as crianças, que ainda não precisam se preocupar com essas coisas.
Preciso ser mais objetivo. É gostoso poder observar o céu a cada manhã, mesmo se está chovendo, mas o que me preocupa neste momento é a observação da realidade, do mundo real, das contas a pagar, da política, das regras de trânsito, do nível de glicose no sangue... Será que estamos olhando a realidade de modo fragmentado? Como entender e interpretar corretamente a realidade? Diante de certos acontecimentos, de certas ocorrências esdrúxulas, acho que estamos perdendo a capacidade de compreender o mundo em que vivemos. Será?