Todos nós somos um pouquinho como os pássaros...
Todos nós somos um pouquinho como os pássaros. Tudo o que queremos na vida – além de voar, é claro! – é viver com leveza, é sair por aí para admirar o mundo, para descobrir e apreciar tudo quanto há de lindo, de estranho, de diferente, de interessante e de generosidade nas pessoas e na natureza, porque, como os pássaros, também somos muito curiosos. Quem nunca quis ser um pássaro que levante a asa!
Os poetas e os pássaros se entendem bastante bem, como o poeta Mário Quintana. Um dia, ele escreveu o Poeminha do contra. Todos esses que aí estão /Atravancando meu caminho, /Eles passarão... /Eu passarinho!
E, para mostrar que entendia de poesia e de pássaros, escreveu também Os poemas. Os poemas são pássaros que chegam /não se sabe de onde e pousam /no livro que lês. /Quando fechas o livro, eles alçam voo como de um alçapão. /Eles não têm pouso /nem porto; /alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem. /E olhas, então, essas tuas mãos vazias, /no maravilhado espanto de saberes /que o alimento deles já estava em ti...
Outro que entendia bastante de passarinhos era o poeta Manoel de Barros, como em O apanhador de desperdícios. Uso a palavra para compor meus silêncios. /Não gosto das palavras /fatigadas de informar. /Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão /tipo água pedra sapo. /Entendo bem o sotaque das águas. /Dou respeito às coisas desimportantes /e aos seres desimportantes. /Prezo insetos mais que aviões. /Prezo a velocidade/das tartarugas mais que as dos mísseis. /Tenho em mim esse atraso de nascença. /Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. /Tenho abundância de ser feliz por isso. /Meu quintal é maior do que o mundo. /Sou um apanhador de desperdícios: /Amo os restos /como as boas moscas. /Queria que a minha voz tivesse um formato de canto. /Porque eu não sou da informática: /eu sou da invencionática. /Só uso a palavra para compor os meus silêncios.
É isso aí! Só para realçar as palavras do poeta: “Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos”. Eu fui! E você?
E então? Além de poesia, o que podemos fazer para nos aproximarmos dos pássaros? Alguém pensou, um dia, que era só colar penas nas costas e sair voando. Não deu certo. O que podemos fazer para cuidar dessas criaturinhas tão ameaçadas pela insensatez e pelo autoritarismo? Pois alguém pensou, um dia, que era bom prendê-los em gaiolas. Jamais conseguiremos dar um passo adiante por um mundo melhor e diferente enquanto os mantivermos presos. Não, ainda é muito grande a distância entre nós e os pássaros. Talvez, no futuro, a gente consiga compreender sua linguagem, entender melhor sua vocalização, tão complexa e apaixonante. Até lá, temos de aprender a admirá-los de longe, reproduzir com sensibilidade seus cantos e pios e fotografar sua imensa diversidade e delicadeza.
Renato Muniz B. Carvalho
Professor