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Preguiça

Renato Muniz
Publicado em 04/08/2025 às 17:44
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Não venham com desculpas esfarrapas, a preguiça chega a todos nós, sejamos moços ou idosos. Quer tentar? É fácil: se dê o benefício do relaxamento, da lentidão, experimente uns momentos de moleza. Se for possível, escolha um sofá confortável ou uma rede e descanse. Mesmo sendo entusiasta da leitura, neste instante vou abrir mão das minhas prescrições literárias e indicar: vez ou outra, não faça nada, deixe-se envolver por pensamentos aleatórios, divagações. Não é pecado e, se algum dia foi, perdeu a validade. Não ligue a TV nem o rádio, afaste-se do celular, permita-se adiar providências — desde que não sejam contas a pagar, senão o caldo entorna.

Eu conheci uma moça infeliz que não admitia ter preguiça. Ela era mais velha do que nós, meus irmãos e eu e vivia nos coagindo com suas lições. Sua missão era lutar contra a libertinagem, fazer tudo o que mandavam, aceitar sem questionar as obrigações: arrumar a cama, lavar a louça, guardar brinquedos no armário e obedecer às autoridades. Nós, se quiséssemos adiar o assunto, alegávamos estar com preguiça. Ela era obsessiva; segundo suas concepções, era inconcebível invocar preguiça para não fazer algo.

No nosso caso, displicência não era desinteresse, era falta de vontade de fazer algo que não queríamos fazer. Simples assim. Por que não adiar? Mais tarde, a gente resolvia, ou amanhã, ou depois de amanhã. Um dia, a gente resolveria. Quem quisesse, se tivesse pressa, que resolvesse.

Ela não aceitava nossas ponderações e, quanto mais argumentava contra o que julgava distração perniciosa, mais refutávamos suas alegações. Para isso, não tínhamos preguiça, ficávamos discutindo a tarde toda na varanda, se preciso fosse. Aliás, tem lugar mais preguiçoso do que uma varanda?

Como típicos adolescentes, não tínhamos desesperança, estresse ou necessidade de descanso, talvez fosse vontade de transgredir, de confrontar os mais velhos. Não era recusa a qualquer tipo de engajamento, pelo contrário, erámos ativos nas questões culturais, artísticas e políticas, apesar das circunstâncias desfavoráveis nos anos 1960 e 1970. Talvez quiséssemos economizar energia para batalhas mais relevantes na escola e nas ruas. O futuro viria de qualquer jeito, por mais que alguns pretendessem adiar o porvir. Para debater tendências estéticas, poesia moderna ou o cinema engajado, não tínhamos hora ou lugar. Aceitávamos contraindicações e objeções nas leituras que fazíamos, no teatro e na música, mas não adiávamos seu desfrute. A nossa conhecida não se conformava com a defesa entusiasmada que fazíamos da preguiça, ela ficava irritada.

Vontade de debater? Ócio ou preguiça? Alguém já disse que o ócio é criativo. Quem disse? Bertrand Russell, Einstein ou o pensador italiano Domenico de Masi? Pouco importa, agora estou com preguiça de consultar. Só sei que, por não ter adiado a escrita deste texto, você o tem ao alcance de seus olhos. Não fique com preguiça e procure um bom canto para fazer a sua leitura.

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