O mundo vive tempos difíceis. O medo, a desinformação em massa e os retrocessos civilizatórios avançam. Não sejamos totalmente pessimistas, algo de bom há de resistir. Alguns dos sinais existentes, quando se fala em pensamentos e práticas retrógradas, aparecem na política, como a ameaça nefasta dos totalitarismos e as perseguições aos que ousam sonhar com um futuro desanuviado, mais inclusivo, de maior diversidade social e cultural. Não sei se poderia ser diferente, mas seria muito bom se fosse! No passado, tempos com essas características foram marcados pelo obscurantismo e pela repressão. Hoje, a negação da ciência, a censura, as discriminações, o machismo e a disseminação do ódio têm tudo a ver com as trevas que a humanidade deveria ter deixado para trás.
Observem-se as sociedades primitivas. Os povos que habitavam as cavernas conheceram muitos temores. Medo de animais selvagens, de ataques de grupos rivais e dos imperscrutáveis humores do clima: ventania, furacões, geadas, nevascas, raios e trovões, chuvas torrenciais e outros castigos divinos. O medo do desconhecido. Não deviam dormir bem à noite. Certamente, faltava-lhes o sono reparador depois de um dia estressante de trabalho atrás da subsistência na idade da pedra lascada. Sobrevivendo de frutos, raízes, caça, pesca e o que encontrassem pela frente, não raro tinham de subir correndo nas árvores para escaparem de predadores. Vida dura! Um sobressalto a cada urro, um pesadelo a cada trovão.
Outra época de muitos medos foi a Idade Média europeia. Foram tempos terríveis de crendices, de insensatez, de terror e de opressão. Ainda bem que não foi só isso, alguns teimosos conseguiram furar o bloqueio da estupidez e nos legaram boa música, belos quadros, grandes reflexões filosóficas.
Além dos exemplos mencionados acima, um dos indicadores de que podemos estar num desses tempos de retrocesso e de conservadorismo ridículo é a incapacidade das pessoas de compreenderem as ironias. A deficiência na compreensão das ironias pode estar relacionada às fragilidades na inteligência social e a desastradas percepções do processo político. As ironias são ferramentas para se questionar o mundo. A gozação e a zombaria implícitas nelas sempre existiram, servem para interpelar a realidade, para rebater as besteiras produzidas pelo autoritarismo, para desmoralizar as estruturas arcaicas de poder.
A ironia está presente na literatura e no dia a dia; é uma conhecida figura de retórica que serve para expor o contraditório, para despertar as pessoas de sua letargia. Muitos autores da literatura brasileira são considerados mestres da ironia, dentre eles o “bruxo” Machado de Assis. A ironia exige, entretanto, que se conheça a autoria da fala, a quem se dirige e o contexto histórico e social em que aparece. O que preocupa no momento atual é a demanda, cada vez maior, para explicar as ironias. Quando isso acontece, pode ser que a vaca já tenha ido para o brejo!