Tem muita gente que, é só começar a chover, se esconde dentro de casa, entra numa loja, num boteco ou no carro. Como as marquises estão cada vez mais ausentes da paisagem urbana, a solução é correr até encontrar abrigo. Debaixo de uma árvore não vale! Poucos abrem o guarda-chuva ou colocam uma capa e enfrentam o aguaceiro. Se não tiver outro jeito… Raríssimos são os que se molham, os despojados, os intrépidos, os que não têm receio da água fria na cacunda. Crianças e jovens estão nesse grupo.
Dois comportamentos chamam a atençã o daqueles que maldizem a chuva, que reclamam de tudo, que se queixam da umidade, das enchentes, da cor cinzenta do céu, da barra da calça molhada… E o daqueles que acham que a chuva é uma bênção, um acontecimento divino. Penso que nenhum deles compreende as chuvas e suas artimanhas. Quem quiser entender a chuva tem de se molhar. Não adianta olhar de longe, de dentro de gabinetes com ar condicionado; tem de sair a campo, esperar despencar a água e observar o que acontece em volta. Tem de pisar numa poça, molhar o sapato, a roupa, a canela, a alma. Vai sair encharcado, mas com alguma experiência para contar.
O mundo está cheio de palpiteiros e de entendidos em tudo. A sabedoria popular diz: “de médico e de louco cada um tem um pouco”. Aí, chega alguém e dá um palpite sobre política. Pergunto com que frequência lê sobre isso, debate com amigos, assiste ao noticiário, mas a pessoa diz não ter tempo; entretanto, julga-se tão sábia… Outro quer ler um livro, mas mal entra em casa e já liga a TV, gruda no celular, senta no sofá e dorme. Depois, mete-se a fazer crítica literária. Tem gente que reclama do congestionamento, mas não sabe andar de bicicleta, recusa-se a usar o transporte coletivo e detesta caminhar. Assim, não dá!
Voltando às chuvas, quando chega a época delas, brotam soluções esdrúxulas, opiniões desencontradas e presságios. Aparecem os burocratas de plantão e as desculpas esfarrapadas. Para quem quer ver, fica claro o que deixou de ser feito no ano anterior, as opções políticas excludentes e os interesses escusos. São muitos os prejuízos; as tragédias atingem os mais frágeis. Todos se metem a identificar os responsáveis: “a culpa é do lixo, é do pobre, é do bueiro entupido…” Desculpas mil, mas não é possível combater enchentes, inundações, desabamentos, estragos, etc., culpando a chuva, culpando o pobre, culpando São Pedro…
Insist se quiser saber mais, tem de se molhar! Quando as primeiras gotas começarem a cair, vá lá fora, observe a impermeabilização, olhe bem as vias públicas, as casas, os telhados, os quintais, se existem árvores, parques, praças… Observe o caminho que as águas fazem. Para mudar o mundo, preste atenção ao seu redor.