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Recordar é viver!

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 08/12/2020 às 19:44Atualizado em 18/12/2022 às 11:20
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O povo costuma dizer que recordar é viver. Significa que o cérebro está ativo. Bem verdade que as memórias nos enganam, trapaceiam e são seletivas. Afinal, cada um se lembra do que quiser, do que ficou marcado, das boas recordações e, por incrível que pareça, até daquilo que gostaríamos de esquecer. A memória é velhaca, traiçoeira e dissimulada, nos pega de jeito e é difícil nos livrarmos dela, principalmente quando desejamos esquecer. Mas tem o outro lado da moeda, quando queremos nos lembrar de algo que some da cabeça e não aparece nem com feitiço. Que desespero! Que aflição!

Tem pessoas que sabem dominar o caráter seletivo das memórias. Com o passar do tempo, esquecem-se de tudo o que não lhes agrada e supervalorizam o que lhes interessa. Não adianta forçar a barra, usar de subterfúgios e estímulos, elas somem no horizonte nublado das profundezas do cérebro, misturam-se à poeira dos sentimentos desagradáveis e desaparecem. Em alguns casos, é muito ruim, prejudica relacionamentos, atrapalha um bocado. Pode ser que, do nada, resolvam aparecer, podendo inclusive causar constrangimentos.

As memórias, tanto as nossas quanto as alheias, nos ajudam a entender a realidade e a compreender sua complexidade. À medida que escrevo isso, coço a barba rala que há meio século me cobre o rosto. Não se trata de coceira indesejável, muito menos sujeira, piolho ou sarna. Pelo contrário, sempre cuidei bem da minha barba, mas esse gesto me fez recordar fatos da minha época de adolescente, nos anos 1960.

Lembro-me de que, ao crescer, em todos os sentidos, a penugem facial se transformou em barba para a maioria dos amigos. O processo foi rápido e desigual, uns sempre à frente nas transformações intelectuais, sentimentais e físicas, enquanto outros eram mais lentos. Essa é a beleza da diversidade humana, mas nem todos entendiam assim e alguns sentiam a necessidade de acelerar a coisa, seja por pressão social ou amargura individual. No outro extremo, pressões familiares e sociais encarregavam-se de fazer a crítica dos costumes, enquadrando algo difícil de controlar. Muitas famílias abominavam as barbas, os cabelos compridos, as roupas coloridas, as opções políticas e culturais diferentes das tradicionais. Essa é uma das características do conservadorismo.

Nesses instantes, a incompreensão a respeito do funcionamento mundo e a ausência de diálogo podem conduzir à exacerbação dos conflitos e a atitudes bizarras. Foi então que, um dia, um amigo ansioso por ver sua barba crescer achou alguém que lhe indicou passar esterco de galinha no rosto. Imaginem a cena! Virou chacota, motivo de piada. Ah, memórias dos tempos da adolescência! O que pensar disso hoje? Incompreensível é observar que esse tipo de atitude continua sendo usual, ainda que sob outras formas, na vida política e na ciência. Cada um acredita no que quiser! E o meu amigo? Ora, continuou imberbe e não quer saber de recordar o fato.

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