Se há uma coisa polêmica sobre a face da Terra — depois das preferências políticas e da escalação da seleção brasileira — é o empréstimo de livros. O ser humano empresta tudo o que tem e, creio, nesse ponto, os brasileiros são imbatíveis. Emprestamos roupa, carro, dinheiro, uma xícara de açúcar, meio quilo de farinha de trigo, ovos, pó de café e por aí afora. O que é um livro neste universo de coisas emprestadas!
Quando o item, cedido gratuitamente e de forma temporária, retorna, o agradecimento é um capítulo à parte. É claro que fica mais gostoso quando vem acompanhado de uma fatia de bolo e, talvez, de um convite para tomar um cafezinho mais tarde. Nessas ocasiões, pode-se colocar a conversa em dia, falar bem ou mal dos outros, reclamar de uma dorzinha no braço e trocar uma receita deliciosa de torta recheada de palmito. Hum!
Ao longo da vida, já vi gente emprestando sapato, casaco, óculos, ferramentas, caneta, celular… Dizem, mas eu não posso confirmar a fonte, que uns e outros costumam emprestar marido, mulher e até cachorros. Já pensou! Emprestar o bichinho de estimação, o xodó da família, é um ato extremo de desprendimento, mas não me parece verossímil. Em todo caso, como tudo nesse país se empresta, vamos admitir e abandonar o exemplo para não criar azedumes.
Dinheiro, quando as garantias são boas e as condições, bem-acertadas entre as partes, não costuma acarretar aborrecimentos. Além disso, é batata, isto é, matemática: basta combinar os juros e a data de restituição que ninguém pode reclamar, não é? Existem alguns dissabores no caso de recusa em pagar, mas, se fosse ruim, bancos não teriam tanto lucro.
Complicado mesmo é emprestar livros. Nunca se sabe se o exemplar vai retornar e em que estado. Tem livro que vai longe, no sentido físico da coisa; de mão em mão, é capaz de dar a volta ao mundo e o dono nem ficar sabendo. O risco é não voltar nunca mais.
Pedir um livro emprestado é operação tão delicada quanto pedir alguém em casamento. Se os compromissos não forem honrados, amizades podem ser desfeitas, mágoas viram depressão, crises são desencadeadas.
Sempre tive muitas dúvidas sobre o assunto. Emprestar ou não emprestar? Meu avô tinha um quadrinho na biblioteca dele no qual estava escrit “Livro emprestado, perdido, estropiado”.
Por um tempo, mantive uma caderneta, dessas que existiam nas antigas mercearias, onde eu anotava o nome do comodatário, o título do livro, a data de saída e de retorno. Quando vi que a coluna do regresso ficava em branco e muitos inadimplentes me olhavam amuados, desisti de anotar. Joguei a caderneta fora. Satisfazia-me imaginar que, pelo menos, alguém estaria lendo um livro. Nos tempos atuais, é melhor aumentar a quantidade de leitores.
Renato Muniz B. Carvalho