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Tem lógica?

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 05/12/2022 às 20:00Atualizado em 15/12/2022 às 22:32
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A moça dançava com os braços levantados, mexendo suavemente o quadril. Com os olhos fechados, imaginava a música; não se ouvia som algum. Nem rock nem valsa, talvez música vinda do coração, vai saber! O corpo se movimentava em ritmo lento, as mãos bailavam com suavidade, ela flutuava numa pista de dança invisível.

Era um ponto de ônibus. Três pessoas aguardavam a chegada do próximo coletivo. Olhavam o celular, indiferentes à dança, olhos cravados na tela reluzente do sedutor aparelho. Vez ou outra, verificavam se o ônibus surgia na curva da avenida. Uma delas, uma senhora mais velha, reparou na moça, mas desviou o olhar sem interesse.

O ônibus chegou e embarcaram. Alguém olhou para trás, mas a dançarina continuou seus movimentos, impassível. Eu estava do outro lado da rua, no ponto em frente. Também perdi minha condução, mas não foi porque estivesse dançando. Foi pura curiosidade, confesso. Quanto tempo duraria o espetáculo? Quantos ônibus passariam até ela resolver encerrar a função e ir embora? Cheguei a pensar que o ponto era somente um lugar disponível, um palco desocupado, e nós, os usuários do transporte coletivo, sua plateia. Podíamos ser meros espectadores, audiência ocasional, mas ela não estava nem aí para o distinto público.

Outras pessoas chegaram. Quase todas de celular nas mãos. Um rapaz triste guardou o seu aparelho no bolso e olhou a dançarina, sorriu, procurou a música no ar, deve ter pensado num motivo para não seguir no próximo ônibus. Não encontrou; foi o último a entrar, mas nem olhou para trás. Como eu não tinha pressa, resolvi ficar mais um pouco. Por que não atravessar a avenida? Por que não mudar meu caminho? Por que não ir de bicicleta ou de trem?

O próximo ônibus chegou, vários passageiros desceram e eu resolvi, mais uma vez, não embarcar. Atravessaria a avenida, tentaria conversar com a dançarina, descobriria o motivo de sua dança solitária. Estava apaixonada? Feliz? Quando o carro deixou o ponto, fiquei atento ao trânsito para ir correndo ao seu encontro, atravessaria fora da faixa. Quando olhei para o outro lado, a dançarina não estava mais lá. Fiquei quieto, decepcionado.

Olhei as horas, vistoriei meu bolso esquerd canivete, cortador de unha, pastilhas. Fiz o mesmo com o direit chaves, uma nota amassada de vinte reais… Inutilidades. Conferi novamente as horas e apertei com força meu celular. Um carro passou buzinando alto e agitando uma enorme bandeira verde e amarela. Torcida ou manifestação política? Tanto faz! Não tenho paciência com essas coisas. Um mendigo, encostado no ponto, estendia as mãos para pegar moedinhas atiradas pelos pedestres. Que tipo de pessoa dança no ponto de ônibus? São tantas distrações… Mundo estranho o nosso, cada um faça o que quiser e eu não tenho nada com isso. Tem lógica? Sei lá!

Renato Muniz B. Carvalho

 

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