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Tempos de descobertas

Num dia eu aprendi o caminho e no outro já estava planejando voltar

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 24/05/2015 às 11:59Atualizado em 17/12/2022 às 00:01
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Num dia eu aprendi o caminho e no outro já estava planejando voltar, desta vez com os amigos. O comportamento da época diminuía as distâncias entre o pensar e o fazer. Bastava sonhar acordado e arranjar os parceiros certos. Quanto ao lugar, tratava-se de um distrito de importância histórica regional, o Desemboque, perdido no tempo e no espaço, distante cerca de 140 quilômetros de casa e localizado no município de Sacramento. Parecia-nos, na ocasião, que significava um elo perdido entre o passado e o presente. Isso era fascinante para quem, que não tinha sequer completado 18 anos, só tinha olhos para o futuro.

Um amigo, que tinha acabado de tirar a carteira de motorista, ansioso para “pegar a estrada”, topou a empreitada. Combinamos para o próximo domingo. E fomos. Éramos cinco no carro do pai do motorista recém-habilitado. O irmão dele, meu xará, um primo meu, a namorada do motorista e eu.

A viagem estava prevista para durar o dia todo, mas nem por isso tomamos quaisquer providências quanto à água, comida e demais precauções. Saímos bem cedo, com a expressa recomendação de cuidarmos muito bem do carro, tanto no aspecto limpeza quanto a estragos. Para a nossa geração, que foi formada para a exaltação aos carros e às autoestradas, sair mundo afora era mais do que uma necessidade, era um ato de rebeldia, nem que fosse ali, na esquina. Viajar era um ato de liberdade.

Parte da estrada era asfaltada, parte em terra. Sem dificuldades e sem muitos percalços, chegamos ao destino. O lugarejo tinha 17 casas e duas igrejas do século XVIII. Estava quase deserto. Andamos por lá a esmo, encantados com o aspecto silencioso do lugar, porque estávamos num cenário inusitad em plena década de 1970, não tinha luz elétrica, nem bares, nem escolas, nem ruas calçadas. Quando nos dirigimos a uma das igrejas, chegou um senhor que perguntou se éramos paulistas, disse que tinha a chave da igreja e que abriria para nós, se quiséssemos vê-la por dentro. Decepcionado quando dissemos que vínhamos da cidade vizinha, espantou-se com o fato de no grupo existirem dois Renatos. Mais espantado ainda ficou quando percebeu a única moça do grupo. Cada vez entendia menos o interesse e a presença daqueles meninos cabeludos no lugarejo.

Abriu a pesada porta da igreja e ficou ali, desconfiado das nossas intenções. Só queríamos olhar, tentar entender os vínculos, onde se perdeu a ligação entre o passado e o presente, e porque uma cidade outrora próspera entrou em decadência.

Depois de perambularmos pelo vilarejo, sem comida e aproximando-se uma tempestade, resolvemos ir embora. Na volta, foi preciso empurrar o carro durante quase todo o trajeto de terra, tamanho o aguaceiro e os atoleiros. Chegamos exaustos, sujos, famintos e sem termos conseguido chegar num consenso a respeito de como uma cidade definha até quase desaparecer. Tempos de descobertas!

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