Um conhecido meu queria parar de trabalhar. Anos e anos de sol a sol, de balcão em balcão, de repartição em repartição, e resolveu dar um tempo. Aposentadoria, quem nunca? Contratou um advogado, providenciou a papelada, aguardou a boa vontade do sistema e agendou um horário com os servidores da repartição. Beleza!
No começo, tudo correu bem. Relaxou, engordou, dedicou-se ao ócio. Acabou perdendo seu tempo na frente da televisão, mas logo se arrependeu e mudou o rumo. Como indicava a música, levantou, sacudiu a poeira e deu a volta por cima. Quer dizer, resolveu arranjar algo pra fazer, uma distração, uma ocupação produtiva. Teria sido bom não fosse a chateação que essa decisão lhe traria.
É o seguinte: ele levava jeito com a informática, então, resolveu se reinventar – não é assim que se diz? A partir daí, faria tudo pelo celular ou pelo computador. Pagamento de contas, compras, solicitação de serviços, o que fosse possível fazer sem se levantar da cadeira da mesa da sala. Ali mesmo, tomava o café da manhã, almoçava, tomava seus goles de café e só parava tarde da noite. Não tinha nem vontade de tomar banho.
Foi quando percebeu que passou a trabalhar para os caras que controlavam essas coisas da internet. Que doideira! Se por um lado não precisava mais sair de casa, de outro passou a trabalhar dobrado, seguindo ordens de máquinas desconhecidas. Ouvia sons robóticos, insensíveis, apertava teclas apáticas, digitava doidamente, escaneava documentos, decifrava figurinhas, siglas, símbolos que jamais imaginou que pudessem existir.
Tornou-se craque com os tais aplicativos. Gente da família e amigos ligavam para saber sua opinião, qual a solução para problemas de conexão, de programação, e ele nem entendia dessas coisas. Era formado em eletrônica, curso técnico, consertava rádios e televisores. Mas acabou tornando-se especialista em joguinhos, em atalhos, em redes, em comunicação digital, em paradas inexplicáveis e interrupções indesejadas.
O problema é que nunca trabalhou tanto para ganhar tão pouco, trabalho sem remuneração. Se tinha uma conta a pagar, fazia todo o serviço, digitava códigos, informava valores, data de pagamento, como se fosse funcionário do banco. Na hora das compras, a mesma coisa. Escolhia o produto, o tamanho, a cor, a quantidade, o endereço para entrega, tudo nas suas costas. Sentiu-se responsável pela demissão de um bocado de gente. Para que tantos funcionários se o bocó ali fazia todo o serviço? Os caras atrás do balcão? Cortar pela metade. A moça do caixa? Dispensar. As pessoas do atendimento na repartição pública? Demissão voluntária. Comprou um armário de madeira? Máquina de lavar? Nada de enviar uma turma para montar, melhor mandar um manual de instruções.
Aquilo foi lhe dando uma gastura sem sentido. Ficou cada vez mais irritado, com muitas dores nas costas, impaciente. Estava a ponto de explodir. Até que percebeu toda a jogada. Você já percebeu?