Um dia, meu avô achou que devia ensinar educação financeira para os dois netos mais velhos – meu irmão e eu. Meu avô foi um comerciante bem-sucedido e, talvez, quisesse nos repassar alguma coisa sobre o que ele próprio tinha aprendido ao longo da vida. E lá fomos nós enveredar pelo mundo dos negócios. Nada formal ou pré-estabelecido, sua intenção era que fosse algo espontâneo, mais prático do que teórico. Eu esperava que fosse um aprendizado natural, mais simples do que derrubar manga madura do topo da árvore sem estragar a fruta.
Em resumo, seu método consistia em nos dar uma quantia semanal de dinheiro, coisa pouca, e, ao final do período, saber o que tínhamos feito. Poderíamos gastar como quiséssemos, embora as opções naquela época fossem muito restritas: sorvete, balas, bolinhas de gude, figurinhas, etc. O que dois meninos de cerca de dez anos poderiam desejar morando numa cidade do interior nos anos 1960? Cada um tinha uma bicicletinha, o suficiente para passeios nos arredores. Tínhamos roupas básicas, além dos uniformes escolares, e brinquedos que ganhávamos no Natal. O que nos deixava orgulhosos, em termos de posse, eram apetrechos como chapéus, canivetes e embornais, que levávamos para a fazenda nas férias escolares. Para que mais?
Meu interesse maior eram as revistas em quadrinhos. Vez ou outra, meu pai comprava uma, mas era difícil convencê-lo a colocar a mão no bolso sem alguma lamentação. Ele acreditava, erroneamente, aliás, que revistas em quadrinhos atrapalhariam nosso gosto pela leitura de livros. A própria escola via as revistinhas como algo pernicioso, deformador do caráter, capazes de corromper nossa formação intelectual e moral, blá-blá-blá… Ainda bem que meu pai se livrou dessa visão conservadora e não nos proibiu de ler quadrinhos, mesmo torcendo o nariz. Anos depois, conversamos sobre o assunto e ele reconheceu que reproduzia preconceitos arraigados desde os anos 1940.
Era receber o dinheiro do meu avô e eu corria até a banca de revistas para comprar uma ou duas revistinhas. Sobrava muito pouco da verba a mim concedida e eu preferia guardar para mostrar meu comprometimento conforme a expectativa: guardar os recursos para investimentos futuros. O problema é que esse futuro estava muito distante para um menino de dez anos; já as revistas de quadrinhos estavam ali pertinho, na banca da esquina.
E o meu irmão? Ele esperava eu ler as revistinhas para depois pedi-las emprestadas. É claro que ele recebia elogios pela dedicação ao ato de poupar, mas meu avô logo percebeu que não devia estimular competições ou desavenças entre os netos. Eu também recebia elogios, pela iniciativa, pela decisão de compra, etc. De qualquer maneira, ambos aproveitamos as lições, enquanto duraram. No final, lucramos ao conhecer o universo dinâmico e crítico das HQs.
Renato Muniz B. Carvalho