ARTICULISTAS

Um livro sorriu pra mim

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 16/11/2020 às 18:39Atualizado em 19/12/2022 às 05:59
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Outro dia, eu passei pela estante de livros lá de casa e um livro olhou pra mim. Achei estranho, normalmente sou eu que olho pra eles, mas, daquela vez, foi o contrário. Parei, pensei um pouco e voltei. Ele não estava apenas olhando, estava sorrindo pra mim! Era um sorriso simpático, amoroso, carente. Como assim?

Se alguém argumentar que livro não pode sorrir é porque nunca reparou, com a devida atenção, num livro. Sim, livros têm rosto, têm corpo, têm identidade, falam, gritam, choram, instigam, fazem carinho na alma. Livros são capazes de provocar reações impressionantes! Você já pegou num livro com a firme intenção de apurar tudo o que ele tem a dizer? É verdade que uns têm pouco a oferecer, ainda bem que não são tantos, mas, em compensação, outros são verdadeiras enciclopédias, e não estou fazendo um trocadilho. Tem livro que é preciso ler várias vezes, selecionar trechos, ler tudo, reler, indicar, guardar pra sempre, discutir e refletir. “O Apanhador no campo de centeio”, de J. D. Salinger, é um desses livros. O “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, é outro — todo mundo devia ler! “Capitães da areia”, de Jorge Amado, é também um desses livros emblemáticos que influenciaram gerações de jovens desde que foi publicado, em 1937! O livro conta a trajetória de meninos que vivem nas ruas de Salvador, Bahia, com destaque especial para os personagens Pedro Bala e Dora. Acreditem se quiserem: o livro teve cerca de 800 exemplares queimados em praça pública, foi perseguido pelo governo da época, acusado de subversão junto com livros de escritores como José Lins do Rego, entre outros.

Pois é, livros, além de rostos, têm história! A história dos livros se mescla com a vida dos leitores e das sociedades. Escuta aqui: que sociedades tristes e ridículas são essas que queimam livros? Pior é que não aconteceu uma vez só! Os nazistas na Alemanha hitlerista queimaram vários livros! Uma dessas fogueiras infames foi acesa no dia 10 de maio de 1933. Queimaram livros de escritores alemães considerados inconvenientes. Stefan Zweig, Thomas Mann, Sigmund Freud, e Erich Maria Remarque foram alguns dos que tiveram obras queimadas. Pronto, mais um atribut livros são considerados inconvenientes! Mas sempre é bom perguntar: por quem e por quê? De qualquer forma, não é bom pra ninguém queimá-los! Apenas pessoas ignorantes, medrosas e tresloucadas fazem isso. Há uma frase que se tornou emblemática quando se recorda o episódio, embora seu autor tenha vivido no século XIX: “Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas”, frase do poeta alemão Heinrich Heine (1797-1856), que também teve livros seus queimados em 1933.

Gosto de ter uma relação amigável com os livros. Eles melhoram meus dias, ajudam nas minhas escolhas pessoais, políticas e culturais. Por isso, não estranhei quando um deles sorriu pra mim. Era um sorriso cúmplice.

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