ARTICULISTAS

Um novo dicionário

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 22/08/2022 às 20:26Atualizado em 18/12/2022 às 13:59
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Tenho certeza de que você já tentou conversar com os bichos, com os domesticados e com os animais selvagens. Quem nunca tentou? É inevitável, afinal, queremos nos comunicar com eles, pedir ajuda, dar ordens, saber se precisam de alguma coisa, se estão com frio, com sede, alegres ou tristes e por aí vai. É uma atitude normal, só não fazemos isso com as pedras, ainda…

Livros, filmes e músicas foram produzidos sobre o assunt as fábulas de Esopo, as histórias infantis do Monteiro Lobato, nas quais se destacam personagens como o Marquês de Rabicó, o Príncipe Escamado — rei do Reino das Águas Claras, o peixinho que se apaixona por Narizinho —, o doutor Caramujo, o rinoceronte Quindim e inúmeros bichos falantes. A lista de livros com protagonistas não humanos é grande: “O Apelo da Selva”, de Jack London; “Fazenda Modelo”, de Chico Buarque; “A famosa invasão dos ursos na Sicília”, de Dino Buzzati, e “A revolução dos bichos”, de George Orwell, são alguns nos quais os animais têm papel de destaque. Cito de memória, mas ela falha.

Trabalhos científicos também enveredaram por este tema. As perguntas que muitos cientistas fazem sã bichos conversam? Por que não conversam conosco? Quais foram as mudanças evolutivas que contribuíram para a presença da fala nos seres humanos, mas que não aparecem nos bichos? Certamente, alterações no cérebro e características específicas nos órgãos responsáveis pela fala, além de associações entre som e sentido.

E nas aves? O que significa sua vocalização? Basta um pouquinho de observação para perceber os diferentes tipos de “conversas”. A comunicação não é exclusiva dos humanos. As pesquisas seguem, espera-se que avance também o entendimento entre nós e os bichos.

Na ficção, os bichos falam por nós, principalmente quando não podemos nos expressar por motivos relacionados à censura, a aspectos morais, religiosos, políticos, etc. Muitas histórias, como as fábulas, trazem ensinamentos, mas expressam diálogos complexos e nem sempre terminam bem para um dos lados. É o caso das estórias infantis. Em “Chapeuzinho Vermelho”, por exemplo, uma menina conversa com o Lobo Mau, mas ele morre no final. Para além dos aspectos anatômicos, morais e educativos, sem deixar de fazer a crítica do especismo, as relações entre humanos e animais nunca foram tranquilas ou cooperativas. Uma questão importante é saber que não temos o direito de machucar, explorar, mutilar e matar as outras espécies.

Para prosseguirmos na matéria, seria útil começar a escrever um dicionário das “falas” dos bichos. Bom mesmo seria se os próprios se encarregassem disso, mas esse negócio de dicionário é coisa nossa, não podemos deixar para eles essa tarefa. Se tivéssemos começado isso antes, bastava passar um tempo na fazenda do meu avô. Se não me falha a memória, lá as gentes e os bichos conversavam numa boa. Pena que não registrei nada!

Renato Muniz B. Carvalho

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