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Um velho conhecido

Neste ano, um velho conhecido meu faz cem anos, por isso resolvi fazer-lhe uma visitinha

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 14/01/2018 às 19:24Atualizado em 16/12/2022 às 07:16
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Neste ano, um velho conhecido meu faz cem anos, por isso resolvi fazer-lhe uma visitinha. Chamei a patroa, compramos a passagem até Taubaté e fomos, não sem antes providenciar um belo queijo curado para ele e sua família.

Meu velho conhecido agora tem celular! Bem verdade que não é tão avançado, mas tem sei lá eu quantos “megas”, câmera fotográfica, agenda, despertador, TV e outras tranqueiras, é um bom aparelho. Foi usando essa maquininha mágica que combinamos que iríamos e como devíamos fazer para chegar. Eu lhe informei os horários e ficou tudo acertado.

O compadre Jeca Tatu, apesar da idade avançada, engordou. Quem diria! Ele sempre foi magrinho, gostava de acocorar-se o tempo todo, “pito na boca e faca na cinta”. Já não mora mais numa tapera, já não queima e desmata morros para fazer sua rocinha, já não derruba “jequitibás magníficos e perobas milenares” nem mata “aves incautas”. Hoje, mora num conjunto habitacional, casinha boa, água encanada, luz elétrica, chuveiro de água quente, mas permaneceu com alguns péssimos costumes, um deles é não fazer uma hortinha. Tem certas coisas que nem a idade conserta. Desculpe-me, compadre, mas precisava cimentar todo o quintal?

Casou-se três vezes. Dona Maria, a atual esposa, estava na cozinha quando chegamos, preparava um tutu de feijão com couve picadinha. Uma delícia! A mesa já estava pronta, com pratos e talheres, o velho hábito de comer com as mãos ficou no passado. Contou que os netos faziam faculdade e que um deles ia se formar doutor. A formatura seria no começo do ano e ele já tinha comprado o terno. Chique!

Perguntei pelos velhos amigos, o Manoel Peroba, o Chico Marimbondo... Todos se foram. Manoel ficou doente e morreu na roça, com o coração inchado. Chico, que gostava de usar venenos pra tudo quanto há, pegou uma doença braba. Jeca, por insistência dos filhos, parou de pitar, livrou-se da anemia e melhorou a alimentação, foi isso que fez com que chegasse à idade que tinha. Com certeza!

E o velho Lobato, hein? “Pois é, homem bom era aquele”, comentou comigo. “Quando chegou na Buquira, depois da morte do avô, para administrar as terras, errou na mão, se desentendeu com os caboclos, acabou vendendo a fazenda. Anos depois, nos encontramos e foi uma grande alegria. Você sabe que ele até me pediu desculpas? Me chamou pelo nome, Zé Brasil, mas eu sempre fui o Jeca.”

“Como anda a política?” Eu perguntei, ressabiado, queria saber se ele ainda entrava nessa de votar em quem lhe ordenavam. Ele me disse que não, nada disso de achar que “tem alguém que manda em nós tudo”. Ufa!

Ficamos hospedados com eles uns dias, recordando o passado, causos e gentes. Na hora de ir embora ele me contou que sua bisnetinha mais nova se chamava Emília. Fui embora emocionado.

Observaçã em 2018, o Brasil comemora o centenário da publicação do livro “Urupês”, de Monteiro Lobato, onde aparece, pela primeira vez em livro, o personagem Jeca Tatu. O contexto desta crônica, o cenário, os costumes do caboclo e os “amigos” do Jeca foram inspirados no conto “Velha praga”, que faz parte do livro. O resto é ficção, nem precisava dizer.

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