Já reparou que tem coisas que você usou uma única vez, se tanto, e nunca mais? Lembra daquela luva de segurar caranguejos que você comprou para o curso de animais marinhos noturnos no litoral norte? Do colchão de ar para usar no porta-malas do carro? Você queria dormir onde bem entendesse, sob as estrelas, e acordar de frente para o mar. Ah, a liberdade de poder dormir em qualquer lugar do mundo…
Foi um sonho bom; passou, e você nem tirou da embalagem de plástico em que veio acondicionado o tal colchão — sequer leu as instruções. E aquele livro que ficou quase um ano na mesinha de cabeceira e você também não abriu? Nem uma vez.
A vida passa — e percebi, talvez tarde demais, que só usei uma única vez o casaco comprado no início do inverno de um ano do qual já não me lembro. Naquele ano, não fez frio, e o casaco ficou guardado no armário, novinho. Os anos passaram, engordei, a moda mudou, e o casaco nunca mais saiu do lugar. Assim foi com camisas de manga comprida, meias coloridas, calças extravagantes — que fariam qualquer um rejuvenescer. Bons tempos aqueles em que pude pagar caro por um sapato de couro, mas resolvi guardar para quando surgisse a ocasião adequada. E ela nunca veio.
Tristeza dá quando me lembro do disco que ganhei de um amigo num fim de ano distante. Não conhecia aquela banda, levei o presente pra casa, aborrecido, frustrado. Ouvi, gostei e prometi comentar com o amigo que me presenteou. Em seguida, guardei no armário. Anos depois, ao me desfazer de alguns guardados, lá estava o disco, esquecido. E eu já não tinha mais toca-discos, ouvia apenas CDs. Mais tarde, quando voltou o interesse por discos de vinil, eu já tinha me desfeito dos meus. Quanto ao amigo, mudou de cidade e nunca mais nos encontramos. Não me lembro seu nome nem para onde foi. Perdemos a chance de conversar sobre nossos gostos musicais — entre outros assuntos.
Livros têm trajetórias diferentes, pois o “aparelho” usado para a leitura tem vida relativamente longa e ainda não foi aposentado: o cérebro. Por isso, podemos acumular vários, garantindo que serão lidos no futuro. Ou dali a pouco. Às vezes, folheamos um volume, abrimos outro numa página aleatória, mas, com muitos, sabemos que nunca mais voltaremos a eles. Não gosto de me desfazer de livros. O que o futuro nos reserva? Eu posso querer reler, alguém pode me recomendar, posso ler uma crítica favorável, os interesses mudam — e voltaremos à leitura interrompida, sem culpa.
A coisa complica é com as pessoas. Muitas eu vi uma única vez na vida — e não foi quando tomamos o mesmo ônibus —, outras vou esquecer, sem arrependimento. Sinto falta de algumas com quem tive boas relações, mas nos afastamos e nunca mais. Ficaram as boas lembranças.