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Vida selvagem

Eu estava parado numa esquina, esperando um amigo, e comecei a observar o comportamento das pessoas

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 26/10/2019 às 09:11Atualizado em 18/12/2022 às 01:24
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Eu estava parado numa esquina, esperando um amigo, e comecei a observar o comportamento das pessoas ao redor; uma mania adquirida ao longo do tempo. Prestei atenção no ritmo constante do abrir e fechar do sinal de trânsito — alguns chamam de semáforo. Vermelho, amarelo, verde… O que me surpreendeu não foi a sequência das cores nem a regularidade do mecanismo, mas as atitudes dos pedestres e dos motoristas. 

Quase todos, motorizados ou não, obedeciam ao sinal. Só alguns motociclistas insistiam em burlar a convenção. A maioria dos condutores parava a tempo, antes da faixa, tudo bonitinho. Os pedestres faziam o mesmo. Percebi que compreendiam o funcionamento do processo. As anomalias começavam quando o sinal abria. Os motoristas avançavam, como se uma porteira tivesse sido aberta e a manada desesperada escapasse do curral. Os pedestres que ainda estavam na faixa corriam desesperados até a próxima calçada, fugiam dos carros como presas fogem do predador. Peraí! Estávamos numa selva?

A pessoa que eu aguardava veio, conversamos, foi embora, e eu, apesar de amedrontado, segui a pé. Em algumas calçadas, tive de me desviar de buracos, de lixo e de cocô de cachorro ou de outros bichos — não sou especialista em excrementos! No mato, na selva, os animais e os próprios humanos fazem suas fezes no caminho, mas nas cidades não dá! E se alguém pisa no estrume?

Mesmo prestando atenção no chão, não parei de observar os caminhantes, alguns estavam muito cabisbaixos. Observei trabalhadores cansados, senhoras carregando suas bolsas com firmeza, como se alguém fosse arrancá-las à força a qualquer momento. Intrigado, parei uma dessas senhoras. Espantada com a minha interrupção, quase me acertou uma guarda-chuvada na cabeça. Eu apenas queria saber o motivo de tanto vigor ao segurar a bolsa. Ela me explicou que podia ser surpreendida e assaltada por bandidos. Agradeci, desejei boa sorte e fiquei procurando os tais bandidos e seus locais de tocaia. Meu medo aumentou.

Anoiteceu e percebi que estava num local cheio de árvores. Indeciso sobre o ocorrido, mas, ainda mal-impressionado pelo relato da senhora, comecei a procurar bandidos nos galhos das árvores. Será que pulariam sobre mim? Resolvi mudar de calçada.

O que me intrigou do outro lado foi a quantidade de terrenos baldios. Expressão curiosa associada a lugar inútil, infrutífero, agreste, a lugar que incomoda. O que justifica manter e permitir a existência desses imóveis nas cidades? Num deles, cheio de detritos, de capim alto e sem nenhuma edificação, observei galinhas ciscando, mas não era uma granja, e ficava numa avenida central da cidade! 

Afinal, onde eu estava: na cidade ou na selva? Procurei um lugar seguro para refletir sobre minha condição, mas não encontrei. Parei, assustado, imóvel, sem saber para que lado ir. Ninguém perguntou se eu estava passando mal ou se precisava de algo. Eu estava só. Será isso uma amostra do denominado capitalismo selvagem?

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